Título: A Trilogia de Paris
Série: -
Autor: Colombe Schneck
Data de Leitura: 21/09/2025 ⮞ 30/09/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Escrito em resposta a Annie Ernaux e em conversa com Elena Ferrante, A Trilogia de Paris é composta por três planos semiautobiográficos da vida de uma mulher: Dezassete Anos; Duas Burguesinhas; A Ternura do Crawl. Explorando questões sobre sexualidade, autonomia corporal, feminilidade, amizade e perda, esta é uma comovente meditação sobre a viagem de uma vida para resgatar o corpo feminino, aceitando-o com todas as suas falhas e aprendendo a celebrar a sua força.
Em Dezassete Anos, a romancista descobre que está grávida mal chega à idade dos primeiros amores e do final do secundário. Decide não ficar com a criança, mas o calvário do aborto transforma a rapariga despreocupada que era, obrigando-a a entrar na idade adulta.
Duas Burguesinhas conta o nascimento de uma amizade entre duas meninas de boas famílias que são parecidas, crescem juntas e seguem o mesmo caminho: casam, têm filhos, divorciam-se ao mesmo tempo, vivem histórias de amor semelhantes... até ao dia em que a morte bate à porta de uma delas.
Em A Ternura do Crawl, uma mulher conta a sua doce e dolorosa história de amor com Gabriel, um homem que lhe assegura a sinceridade dos seus sentimentos, mas cujo comportamento incerto faz pairar a dúvida sobre a solidez da relação.
Minha review no GoodReads
Dezassete Anos
Nem a minha família nem os meus amigos mais íntimos sabem o que me aconteceu na primavera de 1984.
Há livros curtos que, apesar da brevidade, nos deixam suspensos durante muito tempo. Dezessete Anos é um desses livros. Um relato intenso e delicado sobre adolescência, descoberta do corpo e liberdade dos anos 80, confrontada com a gravidez inesperada e a difícil decisão do aborto, tomada às vésperas do exame final do secundário.
Tenho dezassete anos e tenho um amante. Não estou apaixonada, mas tenho um amante.
Com estas palavras simples e directas mergulhamos na vida de uma adolescente criada num meio privilegiado, filha de dentistas de esquerda, onde a liberdade de pensamento era incentivada e os direitos discutidos mais do que os deveres. Uma jovem confiante, que acreditava que bastava sonhar para concretizar, e para quem até a pílula parecia apenas uma formalidade aborrecida.
Essa liberdade, tão típica do início dos anos 80 — quando a SIDA ainda não tinha chegado e tudo parecia possível — choca-a de repente com o impensável. A adolescente que sonhava viajar, estudar e tornar-se enviada especial em Nova Iorque descobre-se grávida a um mês do exame final. A decisão, tomada em segredo entre pais de silêncios diferentes, marca um corte profundo na vida que até então lhe parecia intocável.
O aborto nunca é um acto banal; nenhuma mulher sai ilesa desta decisão, nenhuma mulher esquece completamente esse acontecimento que a tocou na carne e no espírito. A ausência que resulta dessa escolha acompanha-a ao longo dos anos, como uma sombra discreta, mas sempre presente.
Agora posso escrever, a tua ausência acompanha-me há trinta anos.
A tua ausência permitiu-me ser a mulher livre que hoje sou.
Este relato é, ao mesmo tempo, íntimo e universal. Não é um texto de vitimização, mas um testemunho sobre escolhas, consequências e liberdade. É também um convite à empatia e à reflexão, tanto para leitoras como para leitores, independentemente da idade.
Duas Burguesinhas
Depois de Dezessete Anos, Schneck continua a explorar relações humanas em Duas Burguesinhas, um livro que nos fala de amizade com uma delicadeza rara. Acompanhamos Esther e Héloïse, duas amigas que se conhecem na adolescência e que, ao longo das décadas, partilham percursos semelhantes: escola privada, ambiente burguês, vidas confortáveis marcadas por estudos, casamentos, filhos e até divórcios. A amizade atravessa as fases da vida, com momentos de proximidade e de afastamento, mas sempre com a presença silenciosa de uma na vida da outra.
O relato ganha maior dimensão quando a doença entra em cena. O cancro de uma das amigas torna-se o ponto de viragem da narrativa, mostrando que, por detrás da normalidade de uma vida burguesa, há sempre um confronto inevitável com a fragilidade humana. Schneck escreve sem dramatismos excessivos, mas com emoção contida, revelando o sofrimento de quem acompanha alguém próximo que vê o relógio da vida acelerar na direcção da hora final. A dor de ver quem amamos sofrer, e de sabermos que podemos perder essa presença, é algo que ultrapassa as palavras.
Como lidar com a morte quando ela está ali, crua, sem artifícios, e não há escapatória possível?
É um relato íntimo, mas também universal. Fala-nos da amizade, da passagem do tempo, do envelhecimento e da morte, mas sem perder de vista a ternura e a verdade dos pequenos gestos. É um testemunho que nos lembra o quão doloroso é assistir ao declínio de quem amamos, mas também o quanto a presença, a memória e a cumplicidade podem dar sentido ao que parece insuportável.
A Ternura do Crawl
Neste breve relato, um amor do passado é revisitado num presente marcado por medos, inseguranças e vulnerabilidades. O tema do amor — sejam reencontros ou despedidas — nunca me conquista totalmente.
Eu estava no paraíso, e sabia. (…) e não tinha dúvidas, o paraíso era ali. (…) Era o paraíso e está perdido.