Título: A Casa Holandesa
Série: -
Autor: Ann Patchett
Data de Leitura: 00/00/2025 ⮞ 00/00/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, Cyril Conroy, um homem pobre, enriquece repentinamente com um investimento fortuito. A primeira compra que faz é uma opulenta propriedade nos subúrbios de Filadélfia, nos EUA, antes pertencente a uma família neerlandesa, entretanto arruinada. Conroy muda-se, com a mulher, Elna, e a filha, a confiante e protetora Maeve, para a nova casa, na qual já nascerá Danny, o narrador desta história.
O que seria uma agradável mudança de vida, torna-se no desmoronamento de toda a família, numa espécie de paraíso perdido. Elna, incapaz de lidar com as mordomias da propriedade e respetivos empregados, termina o casamento e foge, deixando também os filhos.
Mais tarde, chega à propriedade uma madrasta, Andrea, uma jovem viúva com duas filhas, e os dois irmãos, Maeve e Danny, vão sendo afastados aos poucos, até que acabam expulsos da própria casa, devolvidos à pobreza, podendo contar apenas um com o outro para lidar com a perda, com a humilhação, com a raiva, até que um dia possam, enfim, confrontar quem os abandonou.
A Casa Holandesa, uma narrativa que percorre cinco décadas, é uma saga familiar, uma viagem lenta, sofrida, com personagens que ficarão para sempre connosco, como num conto de fadas virado do avesso.
Minha review no GoodReads
Sinceramente, demorei alguns capítulos a entrar na história. Depois lembrei-me de que já me tinha acontecido o mesmo com Comunidade e decidi insistir. Ainda bem que o fiz. Aos poucos, quase sem dar por isso, o romance foi-me conquistando — um verdadeiro romance de personagens, daqueles que, quando damos por nós, já estamos agarrados e divididos entre a vontade de devorar as páginas e o desejo de que não acabe, só para não termos de nos despedir da Maeve e do Danny.
A história começa com Cyril Conroy, um homem que, ao enriquecer subitamente com investimentos certeiros no pós-guerra, compra A Casa Holandesa, uma mansão exuberante e algo excêntrica nos arredores de Filadélfia. A casa, construída por uma família de milionários holandeses – os VanHoebeeks - que acabou na ruína, torna-se o centro de tudo. Símbolo de ascensão social, de sonhos e também de tragédias, ela é quase uma personagem, a moldar e a desfigurar a vida dos que nela habitam.
Olhamos para trás através das lentes do que sabemos agora; portanto, não o vemos como as pessoas que éramos, e sim como somos, o que significa que o passado foi radicalmente alterado.
É dentro da Casa Holandesa que Maeve e Danny crescem. A mãe desaparece cedo da história — foge, incapaz de lidar com a vida de riqueza e responsabilidades — e o pai, distante e pouco dado ao afecto, nunca chega a preencher esse vazio. Entra em cena Andrea, a madrasta que, com as suas duas filhas - Norma e Bright, impõe lentamente a sua presença até expulsar os meios-irmãos da vida e da casa. A injustiça do despojamento une ainda mais Maeve e Danny.
Não havia tempo extra naqueles dias, e eu não queria gastar o pouco que tinha sentado diante da maldita casa, mas era aí que acabávamos; como andorinhas, como salmão, éramos prisioneiros indefesos dos nossos padrões migratórios. Fingíamos que o que tínhamos perdido era a casa e não a nossa mãe ou o nosso pai. Fingíamos que o que tínhamos perdido nos fora tirado pela pessoa que ainda lá vivia.
Danny, narrador da história, revela-nos como a irmã mais velha foi sempre a sua protectora, o seu porto seguro, a estratega da vida de ambos.
Há vezes na vida em que, quando damos um salto, o passado sobre o qual nos apoiávamos cai atrás de nós, e o futuro onde queremos pousar ainda não está definido. Então, ficamos suspensos por um instante, não sabendo nada e não conhecendo ninguém, nem sequer nós mesmos.
O romance acompanha décadas de cumplicidade e ressentimento, mostrando como o trauma inicial os define. Ambos ficam presos ao passado, à casa, à ausência da mãe e ao peso de Andrea. São irmãos inseparáveis, que guardam o hábito quase ritual de estacionar em frente à Casa Holandesa, anos depois, para reviver memórias, para sofrer e, de algum modo, para se manterem ligados ao que perderam.
Fizemos da nossa desgraça um fetiche e apaixonámo-nos por ele. (…)que o tínhamos mantido durante tanto tempo, e não por decidirmos parar.
Ann Patchett constrói uma história extremamente fluida, onde o tempo avança e recua de forma natural. A vida de Danny — o casamento, a paternidade, a carreira que nunca escolheu realmente — é atravessada pela sombra da casa e pela presença marcante de Maeve, que personifica força, resistência e sacrifício.
O livro é sobre herança, não apenas material, mas sobretudo emocional. É sobre o que se transmite de pais para filhos: ausências, silêncios, expectativas frustradas, amores que se manifestam de forma enviesada. É também sobre escolhas — as feitas e as que ficam por fazer — e sobre como carregamos connosco a casa da infância, mesmo quando a perdemos.
Envolvi-me tanto que senti alegria e tristeza em igual medida, e quando fechei o livro fiquei com a sensação de que Maeve e Danny vão continuar a viver comigo durante muito tempo.