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[Opinião] Os Cus de Judas - António Lobo Antunes

                         


  

Título: Os Cus de Judas

Série: -

Autor: António Lobo Antunes

Data de Leitura: 21/06/2025 ⮞ 20/07/2025

Classificação: 


Sinopse

A memória das experiências vividas durante a guerra em Angola. A partir de um encontro nocturno, num bar, do narrador com uma mulher, sem nome e sem voz, surge num longo monólogo o percurso de um médico militar que, depois de passar vinte e sete meses em Angola a servir o exército colonial, a reconstituir os corpos explodidos na guerra ou a assistir à sua agonia, regressa à metrópole, perdido numa angústia sem saída.


Minha review no GoodReads


Há uns anos, tentei ler ALA. Abri Os Cus de Judas – este início não estava a correr bem – e, depois do primeiro capítulo, fechei-o. Mais tarde, lembrei-me de começar pelas Crónicas, que adorei, e Os Cus de Judas voltaram a ficar no radar para uma futura leitura. Mas, entretanto, passaram três anos e só agora a minha teimosia voltou a mostrar as garras — lá fui eu insistir nos romances.


Comecei, cheguei ao capítulo D e regressei ao A. Estava perdida. Para ler isto é preciso calma e atenção. Foco. É preciso foco!


A história desenrola-se ao longo de uma noite, durante uma conversa com uma mulher num apartamento em Lisboa. Ao longo dessa noite, ele revisita, em fluxo de consciência, as suas memórias da guerra, as angústias, traumas, violência, absurdo e desumanidade do conflito, bem como a sua vida antes e depois da experiência militar.


Éramos peixes, percebe, peixes mudos em aquários de pano e de metal, simultaneamente ferozes e mansos, treinados para morrer sem protestos, para nos estendermos sem protestos nos caixões da tropa, nos fecharem a maçarico lá dentro, nos cobrirem com a Bandeira Nacional e nos reenviarem para a Europa no porão dos navios, de medalha de identificação na boca no intuito de nos impedir a veleidade de um berro de revolta.

(…)

Éramos peixes, somos peixes, fomos sempre peixes, equilibrados entre duas águas na busca de um compromisso impossível entre a inconformidade e a resignação, nascidos sob o signo da Mocidade Portuguesa e do seu patriotismo veemente e estúpido de pacotilha, alimentados culturalmente pelo ramal da Beira Baixa, os rios de Moçambique e as serras do sistema Galaico-Duriense, espiados pelos mil olhos ferozes da Pide, condenados ao consumo de jornais que a censura reduzia a louvores melancólicos ao relento de sacristia de província do Estado Novo, e jogados por fim na violência paranóica da guerra, ao som de marchas guerreiras e dos discursos heróicos dos que ficavam em Lisboa, combatendo, combatendo corajosamente o comunismo nos grupos de casais do prior, enquanto nós, os peixes, morríamos nos cus de Judas uns após outros (…)


A escrita de ALA é maravilhosa, mas não é fácil. É cheia de imagens fortes, sarcasmo e crítica, por vezes confessional, angustiada outras revoltada. É impossível ficar indiferente.


Levei um mês a ler estas 195 páginas, mas, quando fechei o livro, confirmei: são mesmo os livros difíceis que conquistam.