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[Opinião] Na Curva Escura dos Cardos do Tempo: Poesia Reunida - Leonor de Almeida

                        




Título: Na Curva Escura dos Cardos do Tempo: Poesia Reunida

Série: -

Autor: Leonor de Almeida

Data de Leitura: 23/05/2025 ⮞ 04/06/2025

Classificação: 


Sinopse

Leonor de Almeida nasceu no Porto, a 25 de abril de 1909. Colaborou com os principais jornais e revistas dos anos 40 e 50. Viveu em Londres, Paris, Copenhaga. Publicou quatro livros de poesia. Depois desapareceu e foi esquecida. Habitou incógnita em Lisboa, onde morreu sozinha, em dia incerto de maio de 1983.


Além de poeta, foi enfermeira, fisioterapeuta, esteticista, mãe, viajante, aventureira, corajosa, pioneira, mas, acima de tudo, um espírito livre muito à frente do seu tempo.


Minha review no GoodReads


Ao longo da história, as mulheres foram frequentemente silenciadas, desacreditadas e, muitas vezes, apagadas tanto da vida pública como intelectual. Esse silenciamento assumiu muitas formas – desde a exclusão ao acesso à educação até à necessidade de usar pseudónimos masculinos para poderem ver as suas obras publicadas. Mas, mesmo assim, contra tudo e contra todos, as mulheres resistiram, escreveram, falaram e ensinaram. E é por isso que é tão importante resgatar estas vozes e devolver-lhes o lugar que sempre lhes foi negado.


Há algum tempo que tenho acompanhado esse trabalho de resgate da literatura feita por mulheres nos séculos XIX e início do século XX no Brasil, e é com muito gosto que vejo também, embora com passos muito pequeninos, o mesmo a ser feito aqui em terras Lusitanas. Que o trabalho de formiguinha continue e que nos seja possível rasgar o véu do esquecimento, devolver-lhes uma existência plena e afirmar com todas as forças que elas estiveram cá.


Há casos em que o silenciamento destas mulheres foi tão eficaz que foi quase perfeito.

Leonor Almeida foi um desses casos. E, não fosse a curiosidade sobre um quadro, talvez nunca soubéssemos nada dela, nem tão pouco teríamos acesso à sua poesia. E Leonor de Almeida não foi propriamente uma poetisa desconhecida na época, aliás, foi mesmo muito aclamada pelos mais importantes críticos da época . Imaginem se não fosse?


Leonor de Almeida publicou quatro livros de poesia Caminhos Frios (1947), Luz do Fim (1950), Rapto (1953) e Terceira Asa (1960), foi considerada dos melhores poetas portugueses contemporâneos e depois desapareceu do mapa. Sabe-se que viveu incógnita em Lisboa até 1983, quando morreu, sozinha num dia de Maio. Depois da sua morte, o senhorio jogou no lixo todos os seus “papeis”.


Cheguei a este na curva escura dos cardos do tempo – poesia reunida depois de ter ouvido um podcast sobre o trabalho feito por Cláudia Clemente ( a tal que resolveu ir atrás de informações sobre um quadro), quando descobriu que havia um grande mistério em torno da amiga da avó. Decidiu iniciar uma investigação, que acabou publicada em livro com o título Tatuagens de Luz.


Gosto de poesia q.b., gostei bastante dos dois primeiros livros desta poesia reunida – que são os dois últimos publicados, e gostei particularmente deste poema:


CANTO DO MEIO-DIA


Ó terra, sal da minha pele

Amor da nova liturgia!

Neguei-me aos velhos rituais,

Repara a minha bastardia!


— Arfaram as narinas amplas da distância,

E o sol arremessou doze berros de força,

De certeza e perenidade,

Que vieram agulhar meus flancos

E cortar a agrestia verde dos tojais.


Ó terra, sal da minha pele

Amor da nova liturgia!

Neguei-me aos velhos rituais,

Repara a minha bastardia!


— Presa ao sonho das árvores, a brisa curvejou

A franja dos suspiros da água

E as ervas esfolhadas pelo cio…


Deixaram de espreitar nas fendas da minha alma

Os olhos atros da mentira e corrupção,

E as raízes do monte adolescente

Mordem na minha cinta uma faixa escarlate…


Ó terra, sal da minha pele

Amor da nova liturgia!

Neguei-me aos velhos rituais,

Repara a minha bastardia!


— Saíram do seu limbo as minhas coxas

Saltando em potes de carne ao beijo do céu…


A luz de bronze esgaivava as pedras

E as áscuas vêm arder as tochas do meu sangue!...


Ó terra, sal da minha pele

Amor da nova liturgia!

Neguei-me aos velhos rituais,

Repara a minha bastardia!


Terceira Asa, 1960


Leonor de Almeida