Série: -
Autor: Oscar Wilde
Data de Leitura: 10/05/2025 ⮞ 24/05/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
O Retrato de Dorian Gray foi publicado em 1890 e depressa se tornou a obra mais conhecida de Oscar Wilde. O romance celebra o esteticismo, assume os seus riscos e aborda pela primeira vez o tema da homossexualidade na literatura inglesa.
Oscar Wilde afirmaria que «Basil Hallward é aquilo que eu penso de mim; Lord Henry, o que o mundo pensa de mim; e Dorian é o que eu gostaria de ser noutra época, talvez».
Minha review no GoodReads
a classic is a classic is a classic
Quando Oscar Wilde publicou O Retrato de Dorian Gray em 1890, dificilmente imaginaria o quão actual a sua obra se tornaria num mundo onde a imagem é tudo, onde o valor de uma pessoa pode ser medido em likes e filtros, e onde a juventude se tornou mercadoria. Se no fim do século XIX o retrato pintado era o espelho da alma, hoje vivemos rodeados de retratos digitais que escondem — ou revelam — mais do que imaginamos.
Dorian Gray é um jovem de beleza rara que deseja manter-se eternamente jovem enquanto o seu retrato envelhece por ele. Essa separação entre a aparência e a essência, que noutros tempos dependia de uma tela de pintura, encontra hoje palco nas redes sociais. O “retrato” moderno está no Instagram, no TikTok, nos stories cuidadosamente editados, nos filtros que eliminam rugas e imperfeições — e criam versões idealizadas de nós mesmos que parecem viver melhor do que nós próprios.
Dorian vive fascinado pela própria imagem, e quando descobre que pode manter a juventude física enquanto esconde a corrupção moral num retrato oculto, entrega-se a uma vida de prazer sem limites, sem remorso. Esta dualidade entre o eu público e o eu privado encontra eco no mundo digital: muitas pessoas constroem personas online que parecem impecáveis, felizes, produtivas — enquanto lidam, no privado, com ansiedade, vazio ou alienação.
A personagem de Lord Henry, com a sua filosofia de hedonismo estético e desprezo pelas convenções morais, antecipa os influencers modernos que pregam o culto do sucesso, da beleza, da auto-indulgência — sem responsabilização. Tal como ele, muitos influenciam vidas com frases sedutoras e um estilo de vida aparentemente descomplicado, mas carregado de superficialidade. E como Dorian, há quem siga essas ideias até à exaustão, até que a imagem perfeita já não sustente o peso da alma.
Basil, o pintor que vê em Dorian não só beleza mas também humanidade, é a consciência da história — e é morto por ela. Assim acontece também nos dias de hoje: a sinceridade e a ética são muitas vezes silenciadas pelas lógicas da visibilidade, da performance e do aplauso.
No fim, Dorian, numa tentativa desesperada de se libertar do peso da sua consciência, tenta destruir o retrato. Mas, ao apunhalar a imagem, apunhala-se a si próprio. Ninguém pode manter eternamente a dissociação entre quem é e quem finge ser.
Num tempo em que muitos vivem presos à necessidade de parecer jovens, belos e interessantes, Wilde oferece uma reflexão inquietante sobre o preço da imagem quando esta se torna tirana.
Hoje, o retrato já não está na parede: está nos nossos telemóveis. A pergunta que fica é: quantos Dorians existem por detrás dos ecrãs? E o que escondem os seus retratos digitais?