Série: -
Autor: Luísa Sobral
Data de Leitura: 30/05/2025 ⮞ 03/05/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Este é um romance sobre duas mulheres unidas pela desilusão e pelos cinquenta anos mais tristes da história da Alemanha. Com uma estrutura muitíssimo original e uma galeria de personagens inesquecível, Nem Todas as Árvores Morrem de Pé marca a estreia fulgurante de Luísa Sobral na ficção.
Emmi, que nasceu pouco antes de Hitler ascender ao poder na Alemanha, perde o pai na guerra e tem uma adolescência difícil, trabalhando desde muito cedo para ajudar em casa. É num bar aonde vai com os amigos depois do trabalho que conhece Markus, um homem de Berlim Leste que lhe escreve cartas maravilhosas e por quem se apaixona perdidamente.
Apesar de a mãe torcer o nariz ao seu casamento num momento em que a Guerra Fria está ao rubro, a irmã apoia-a, e Emmi acaba por ir viver com Mischa, como lhe chama, para a RDA. Inicialmente, tudo corre bem, mas, depois de o Muro de Berlim ser erguido, a separação da família e a chegada de uma carta anónima deixam-na na mais profunda depressão.
M. nasce após a divisão das duas Alemanhas e é o fruto perfeito do socialismo: com uma mãe ausente e educada por uma ama que adora plantas, M. idolatra o pai, desconhecendo por completo o mundo ocidental e crescendo ao sabor de uma realidade distorcida. Até que um dia, ao ouvir o testemunho chocante de uma rapariga, descobre que, afinal, não é só o Muro que tem um outro lado.
Minha review no GoodReads
Embora não habite numa caverna ou debaixo de uma pedra, não fazia ideia de quem era a Luísa Sobral. Dizem-me que é cantora e compositora (acho que nunca ouvi nada dela, ou se ouvi nem dei bola) e irmã do Salvador Sobral, que venceu o Festival da Canção / Eurovisão há uns anos e de quem só me lembro que cantava a fazer uns gestos esquisitos com as mãos e tinha um problema no coração.
A capa e o título aguçaram a minha curiosidade. O facto de uma mulher da música se atrever a escrever um romance é algo que aprecio — e, por isso, pus mãos à obra.
Este é um romance sobre a vida de duas mulheres marcadas pelos cinquenta anos mais sombrios da história da Alemanha. Emmi, nascida pouco antes da ascensão de Hitler, vê-se arrastada para a RDA por amor, acabando por enfrentar o isolamento e a dor num país dividido. Já M., filha do regime socialista, cresce numa realidade distorcida, alheia ao mundo ocidental, até que um testemunho inesperado abala todas as suas certezas. Duas histórias entrelaçadas por perdas, silêncios e descobertas.
Gostei da história, da escrita — simples mas melodiosa, talvez com ecos da música — e da originalidade de cada capítulo começar com uma vinheta botânica.
De onde eu venho não há flores selvagens nem pessoas selvagens. De onde eu venho não se podia crescer demasiado nem ser demasiado.
Lá até o sol é cinzento e os jardins são apenas espaços verdes. Não têm vida nem vontade própria, são aquilo que devem ser. Cumprem um propósito.
O Muro de Berlim nasceu e dois anos depois nasci eu. Fui muito desejada até ao dia em que me materializei. Depois, para a minha mãe, passei eu mesma a ser um espaço verde.
A minha primeira memória de infância é com a Mavie.
(…)
Todas as manhãs a minha mãe me deixava em casa da Mavie. Ela dava-me um pão com salsicha ou queijo e corríamos para cuidar das nossas flores.
Na casa onde ela morava havia um pequeno jardim. Os muros eram cinzentos e tinham tantos buracos que eu fantasiava ver neles fatias de queijo gigantes.
(…)
Era um mundo bem pequeno, cheio de cores e cheiros, que fazia questão de não condizer com o mundo sombrio das ruas e casas da nossa cidade. Era um jardim vaidoso que esfregava a sua beleza na cara decadente das redondezas.
A Mavie sabia o nome de todas as flores e dizia que cada uma delas tinha um poder mágico. «A violeta trata a melancolia, a língua-de-ovelha ajuda a sarar as feridas, a erva-de-são-joão contribui para o tratamento da depressão.»
(…)
Aos seis anos fui para a escola e nunca mais vi a Mavie. Por vezes os meus sonhos enchiam-se de flores e ela também lá estava, com o seu vestido amarelo e branco à espera de ser salpicado.