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[Opinião] Eles e Elas - Júlia Lopes de Almeida

       


 
          

Título: Eles e Elas

Série: -

Autor: Júlia Lopes de Almeida

Data de Leitura: 03/03/2025 ⮞ 22/03/2025

Classificação: 


Sinopse



Minha review no GoodReads



Júlia Lopes de Almeida nasceu em 1862, no Rio de Janeiro, filha dos emigrantes portugueses Adelina Pereira Lopes, musicista, e Valentim José da Silveira (Visconde de São Valentim), médico. A família pertencia à classe alta, o que proporcionou uma excelente educação à promissora escritora.

O pai de Júlia descobriu a vocação da filha, e incentivou-a a que escrevesse um artigo para a Gazeta de Campinas. E foi assim que tudo teve início. Júlia foi uma escritora com uma vasta produção literária conseguindo, à época, viver dos rendimentos da sua profissão.
Era uma mulher muito à frente do seu tempo, era republicana, defendia a educação feminina, o divórcio e a abolição da escravatura.


... Os povos mais fortes, mais práticos, mais ativos, e mais felizes são aqueles onde a mulher não figura como mero objeto de ornamento; em que são guiadas para as vicissitudes da vida com uma profissão que as ampare num dia de luta, e uma boa dose de noções e conhecimentos sólidos que lhe aperfeiçoem as qualidades morais. Uma mãe instruída, disciplinada, bem conhecedora dos seus deveres, marcará, funda, indestrutivelmente, no espírito do seu filho, o sentimento da ordem, do estudo e do trabalho, de que tanto carecemos.
- Júlia Lopes de Almeida, em A Mensageira

Júlia Lopes de Almeida teve uma vida intelectual bastante activa, fez parte do grupo de intelectuais que criaram a Academia Brasileira de Letras, mas o seu nome não foi incluído. Era mulher - a ABL era um clube do Bolinha – e em vez dela foi considerado o nome do marido, Filinto de Almeida – Cadeira 3, sem produção literária de destaque.
Após a sua morte, em 1934, Júlia Lopes de Almeida foi caindo no esquecimento, mas o seu regresso aos escaparates das livrarias deveu-se à leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp.

Aos mais desatentos (onde me incluo) há em Lisboa um busto da escritora, ali no Jardim Gomes de Amorim.


O monumento, obra de Margarida Lopes de Almeida, composto de busto em bronze sobre pedestal de pedra, foi oferecido pelas mulheres brasileiras às mulheres portuguesas. O busto, executado em 1939, só viria a ser inaugurado, no Jardim Gomes de Amorim, localizado na Praceta da Av. António José de Almeida, em 28 de Março de 1953.


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O livro Eles e Elas é composto por 37 monólogos e diálogos alternados entre maridos e esposas, que trocam críticas mútuas num tom satírico e com algum humor à mistura. A história desenrola-se num ambiente burguês, afastado de questões como a pobreza ou dificuldades económicas, mas revela, ainda assim, uma verdadeira batalha entre os sexos, evidenciada pelas diferentes formas como homens e mulheres pensam e se expressam.


Cada Vez Que...

Cada vez que peço dinheiro a meu marido e que ele acompanha o gesto de o tirar da algibeira com estas palavrinhas: “Oh, já acabaste com todo o dinheiro que te dei ontem?!” sinto um calafrio subir-me dos calcanhares à nuca. (…) De humilhada que me sinto, parece-me então que me contentaria com o mais humilde cantinho da terra e que despida de todos os luxos, roendo ervas cruas como os cabritos, eu me sentiria mais gloriosa, por mais independente, do que nesta contingência de pedir, de precisar...


Ah! Os Senhores Feministas!

Ah! Os senhores feministas! Pudesse eu enforcá-los a todos com uma só corda.
São as suas teorias desordenadas, subversivas e a tragédia burlesca das suas justas reivindicações, que tem posto a sociedade neste estado. Pois quando é que se viu uma senhora casada e mãe de filhos, como é a minha, não estar em casa à hora em que o marido entra para o jantar! De mais a mais, nem deixou dito para onde ia.
Plena liberdade, hein? Os tempos aconselham estas independências, aproveitemo-las!... E o marido? O marido que ceda, que se sujeite, que sorria, que diga amém!

Os Serões Familiares

Dindinho esqueceu-se de que se deleitou na vida com a variedade de três lares diferentes, porque casou e enviuvou sucessivamente três vezes, além de vinte paixões avulsas, para atacar agora o divórcio como uma lei destruidora e fatal. E, o senhor meu marido esqueceu-se da felicidade que lhe dou, e que nenhuma outra mulher lhe daria tão perfeita, para defender esse mesmo divórcio, (…) Uma ideia! Para castigo do sofrimento que meu marido me infligiu ontem, quem vai logo à noite fazer a apologia do divórcio, sou eu! Sempre quero ver a cara que ele faz…

Há de ter muita graça

Há de ter muita graça que o senhor meu marido, sabendo perfeitamente que morro por ir ao teatro, tivesse tido a coragem de ir hoje a algum deles sem mim... Não duvido; só para me dizer depois, com aquele arzinho de desdém, quando eu manifestar o desejo de ver esta ou aquela peça: “Não vale a pena, minha filha; aquilo é uma bambochata, não imaginas!”
Amanhã, porém, quando eu lhe pedir que me acompanhe à casa de minha madrinha, para tomarmos chá com ela, adivinho que volverá para mim olhos suplicantes e dirá, com aquele tom de voz, que não sei onde vai buscar quando quer seduzir: “Tens coragem de trocar pela casa dos outros a doçura deste nosso serão a dois, na comodidade desta nossa salinha, onde hoje eu tencionava estudar um pouco, bem pertinho de ti?! Se tens muita necessidade de ir, vamos; sacrifico as minhas leituras, não quer dizer nada, mas…”


Já desanimei

Por que não o hei de enganar do mesmo modo? Em consciência, não há homens nem mulheres: há seres com iguais direitos naturais, mesmas fraquezas e iguais responsabilidades. Mas não há meio dos homens admitirem semelhantes verdades. Eles teceram a sociedade com malhas de dois tamanhos: grandes para eles, para que os seus pecados e faltas saiam e entrem sem deixar sinais; e extremamente miudinhas para nós.

As mulheres pensam

As mulheres pensam... Não! As mulheres não pensam, devaneiam apenas; e isso mesmo às vezes...Pois eu não vejo? Se querem agir por si, ao mínimo embaraço olham logo em redor, procurando socorro! Ainda não encontrei uma única que soubesse fazer um simples requerimento sem pedir conselho ao homem mais à mão... Que deliberasse negócios sérios com a suficiente clareza... Que se não deixasse arrastar mais pela fantasia do que pelo bom senso, nem se desprendesse, em momentos de resolução, de certas ninharias e contemplações sentimentais.