Série: -
Autor: Jean-Baptiste Andrea
Data de Leitura: 23/11/2024 ⮞ 02/12/2024
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
PRÉMIO GONCOURT 2023
Agosto de 1986. Num mosteiro italiano, um homem encontra-se às portas da morte, entregue aos cuidados dos monges que ali habitam. Durante 40 anos, viveu entre eles, para «velar por ela». «Ela» é a sua última obra, uma estátua que perturba quem a vê, mas cuja história e origem permanecem em segredo.
No leito de morte, o homem revisita o seu passado, desde os tempos de aprendiz de um escultor alcoólico e violento, no planalto de Pietra d’Alba, reduto da poderosa família Orsini. Recorda sobretudo Viola Orsini, que gosta deste escultor anormalmente pequeno, com mãos de génio e mente livre.
Desde o seu primeiro encontro, na adolescência, Viola e Mimo percorrerão lado a lado a primeira metade do século xx, testemunhando a ascensão do fascismo e a agitação das guerras mundiais. Ele torna-se um artista prodigioso, muito requisitado pela elite; ela tenta incansavelmente perseguir os seus sonhos de mulher emancipada. Ambos se perderão e encontrarão continuamente, como amigos ou inimigos, sem que nenhum deles desista dos fortes laços que os unem.
Velar por ela é um romance arrebatador, que nos dá a conhecer duas personagens inesquecíveis e uma história de afetos que insiste em manter-se no tempo, contra todas as probabilidades.
Mas quando o lemos, não podemos deixar de notar o seu inegável encanto. É o tipo de romance com uma beleza clássica e um estilo intemporal que, sem dúvida, estaremos a ler com o mesmo prazer daqui a 10 ou 20 anos.
Minha review no GoodReads
São trinta e dois. Trinta e dois a viver ainda na abadia naquele dia de outono de 1986, (…) Dentro de algumas horas, haverá menos um.
É a partir do seu leito de morte que Michelangelo Vitaliani – Mimo – relembra a sua vida desde que chegou a Itália. Nunca fez os votos, mas foi naquela abadia que viveu os últimos quarenta anos, enclausurado para ficar com ela: a sua Pietà, a sua obra-prima.
(...) ele está naquele lugar para velar por ela. Ela, que espera, na sua noite de mármore, a algumas centenas de metros da pequena cela. Ela, que aguarda pacientemente há quarenta anos.
Mimo nasceu em França, sofre de acondroplasia, perdeu o pai durante a Primeira Guerra Mundial, e a mãe manda-o para Turim para, junto de um tio, para aprender um ofício.
Mas é em Pietra d’Alba que acabam por se estabelecer com uma oficina, onde Mimo é explorado, maltratado, espancado pelo zio Alberto.
Pietra d’Alba surgiu, esculpida na luz do sol nascente, no seu cume rochoso.
Em Pietra d’Alba vivem os Orsini, os marqueses ricos e poderosos da vila.
Os Orsini eram tão ricos, dizia ele, que quando um deles espirrava, os criados roubavam-lhe o lenço para extrair o pó de ouro.
É aqui que conhece Viola, a sua irmã cósmica, que é uma menina inteligente, brilhante, sonhadora, independente e que tal como ele se depara com as desigualdades e os preconceitos de uma sociedade patriarcal e obscurantista. Eles travam a mesma luta, contra a forma como a sociedade os vê como diferentes e contra o papel que lhes atribui: um anão só pode estar num circo e uma mulher só pode ser mãe e esposa, confinada ao espaço familiar. Nasce entre eles uma amizade/amor improvável que apesar das suas diferenças nunca deixará de unir estas duas almas.
– O que é que é ridículo, Mimo?
– Tu, eu. A nossa amizade. Num dia amamo-nos, no outro odiamo-nos… Somos como dois ímanes. Quanto mais nos aproximamos, mais nos repelimos.
– Não somos ímanes. Somos uma sinfonia. E até a música precisa de silêncios.
Dois opostos que se atraem, Mimo e Viola irão conhecer o pior e o melhor. Através das suas vidas, desenrola-se a história de Itália como pano de fundo (a Segunda Guerra Mundial, Mussolini, a ascensão do fascismo, as lutas pelo poder...). Mimo tornar-se-á o escultor que todos desejam,
Se a pedra me fez naquilo que sou, se uma magia negra teve alguma influência, também me compensou pelo que me tirou. A pedra sempre falou comigo – todas as pedras, calcárias, metamórficas, as tumulares também, aquelas em que me deitaria em breve para ouvir histórias de jazidos.
Esculpir é muito simples. Trata-se apenas de retirar camadas de histórias, de pequenos episódios, os que são desnecessários, até chegar à história que nos diz respeito a todos, a ti e a mim e a esta cidade e a todo o país, a história que já não pode ser reduzida sem a danificar.
enquanto Viola terá de se conformar com o seu lugar.
Viola e Mimo vão afastar-se, reencontrar-se, amigos ou inimigos, sem nunca admitirem a verdade.
Foram precisos oitenta e dois anos, oito décadas de má-fé, e uma longa agonia, para reconhecer o que já sabia. Não há Mimo Vitaliani sem Viola Orsini.
Jean-Baptiste Andréa oferece-nos um romance muito bonito, convida-nos a viajar sob os céus italianos, uma ode à amizade e ao amor, uma homenagem à beleza da arte e finalmente dois personagens inesquecíveis.
Tramontana, siroco, áfrico, poente e mistral, chamo-te em nome de todos os ventos.
Mimo e Viola ❤️