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[Opinião] A Mulher do Meio - Ivone Mendes da Silva

                                      


Série: -

Autor: Ivone Mendes da Silva

Data de Leitura: 05/11/2025 ⮞ 03/12/2025

Classificação: 


Sinopse

A MULHER DO MEIO

de Ivone Mendes da Silva


capa a partir de pintura

de Jan Madijn


Minha review no GoodReads


Acho que não é preciso dizer nada sobre Ivone Mendes da Silva.


15.


Ir beber um chocolate com uma amiga já bem ao fim da tarde e conversar sobre livros e sobre a vida. Caminhar pelas ruas com passo apressado e o frio a bater-me na cara. Tomar um duche quente e comer depois uma sopa de tomate já de pernas esticadas no sofá. Às vezes os dias maus acabam bem.


139.


Quem não saiu para Páscoas ao largo move-se ao sol do sábado com vagares de gato. O café tem muito menos gente. Numa das mesas senta-se uma pessoa que trabalha lá onde eu trabalho e dou uma volta escusada por entre as mesas só para não a cumprimentar. Cultivo diligente uma reputação de malcriada. Dantes ainda me acudiam alguns remorsos mas agora não, Fico assim ao abrigo de muito desagrado. (…)


210.


Roubei um figo e comi-o com o prazer tresloucado das coisas ilícitas. (…)


225.


(…)

Eu viveria para sempre assim junto ao silêncio de uma janela alta sobre um jardim de sombra.

(…)


231.


Férias. Já desci todas as persianas e guardei no frigorífico algumas coisas bem frescas. Durante uns dias bons terei a vida que gostaria de ter sempre. Nem horas marcadas nem obrigações nem vozes agrestes. Distância e sossego. Não creio que possa existir alguma coisa melhor.


249.


(…)

Faço um esforço para ser malcriada mas a maioria das pessoas apenas me acha bizarra.

[Opinião] A Catedral do Mar - Ildefonso Falcones

                                   


  

Título: A Catedral do Mar 

Série: La catedral del mar #1

Autor: Ildefonso Falcones

Data de Leitura: 20/11/2025 ⮞ 03/12/2025

Classificação: 


Sinopse

Século XIV. A cidade de Barcelona encontra-se no auge da prosperidade; cresceu até ao humilde bairro dos pescadores, cujos habitantes decidem construir, com o dinheiro de uns e o esforço de outros, o maior templo mariano conhecido: Santa Maria do Mar.

Uma construção paralela à desditosa história de Arnau, um servo da terra que foge dos abusos do seu senhor feudal e que se refugia em Barcelona. Daqui se torna cidadão e, assim, num homem livre. O jovem Arnau trabalha como estivador, palafreneiro, soldado e cambista. Uma vida extenuante, sempre à sombra da Catedral do Mar, que o tirará da condição miserável de fugitivo para lhe dar nobreza e riqueza.

Mas com esta posição privilegiada chega também a inveja dos seus pares, que tramam uma sórdida conspiração que põe a sua vida nas mãos da Inquisição… Lealdade e vingança, traição e amor, guerra e peste, num mundo marcado pela intolerância religiosa, a ambição material e a segregação social. Um romance absorvente, mas também uma fascinante e ambiciosa recreação das luzes e sombras do mundo feudal.


Minha review no GoodReads

Há uns anos li A Rainha Descalça e não gostei da experiência, e muito por conta disso parti para esta leitura com receio de voltar a passar por algo chato e penoso, mas tal não aconteceu.

N’A Catedral do Mar acompanhamos a vida de Arnau Estanyol, filho de um servo fugido, que cresce num ambiente hostil mas profundamente marcado pela devoção popular à construção de Santa Maria del Mar. A catedral funciona como um segundo protagonista, um símbolo de fé, de trabalho comunitário e, ao mesmo tempo, testemunha silenciosa das grandes mudanças da cidade.

É um daqueles romances históricos que conquista sobretudo pela sua capacidade de nos transportar para uma cidade em crescimento e de nos fazer “ver” a Barcelona medieval com os seus bairros, os ofícios, o comércio marítimo, os conflitos entre nobres e povo, e a força da Honra e da Igreja.

A história tem ritmo, é acessível e sabe equilibrar a explicação histórica com episódios de acção e conflito. Por vezes, é verdade que as sucessivas desgraças na vida de Arnau parecem acumular-se de forma quase melodramática, uma espécie de via-sacra que, embora cumpra a função de nos manter presos à narrativa, pode parecer excessiva. Ainda assim, percebo a lógica de Falcones, é através dessas desgraças que evidencia as estruturas sociais rígidas e cruéis da época.

[Opinião] Uma História Simples - Leonardo Sciascia

                                      


Título: Uma História Simples

Série: -

Autor: Leonardo Sciascia

Data de Leitura: 01/12/2025 ⮞ 02/12/2025

Classificação: 


Sinopse

Sicília, década de 1980. O telefone toca na esquadra: ao que parece, um velho diplomata quer falar com a polícia porque encontrou uma coisa estranha em sua casa. A partir daqui, tudo sucede numa espécie de ato contínuo, sem tempo para deduções ou explicações. Embora tempo pareça ser tudo o que a polícia tem a mais e não use convenientemente naquele lugar.

Ao que parece, afinal, houve um suicídio. Seria simples, a história, não fosse o jovem polícia deparar, na sua investigação, com uma enorme parede intransponível, composta pelas intrincadas argamassas que dão pelo nome de máfia, polícia, corrupção e, afinal, toda a Sicília.

Retrato de um sítio onde a verdade não conhece definição e a justiça teima em não chegar, o último livro de Sciascia é um magnífico exercício de economia de escrita, uma pequeníssima janela que abrimos e da qual, tremendamente espantados, vemos tudo.


Minha review no GoodReads


Leonardo Sciascia. Escritor, ensaísta, político italiano. Nasceu em Racalmuto, na Sicília, onde foi homenageado com uma estátua. Foi deputado pelo Partido Comunista Italiano e posteriormente pelo Partido Radical, mas dizem que manteve sempre uma postura crítica e independente.

Tornou-se bastante conhecido por abordar frontalmente a influência da máfia numa altura em que o tema ainda era tabu.


Inspirado num acontecimento real, o roubo de uma pintura de Caravaggio, A Natividade com São Francisco e São Lourenço*, Uma História Simples acompanha a investigação de um caso de aparente suicídio, que desde o início começa por levantar algumas dúvidas. Há muitas pessoas com pressa de dar o caso como encerrado, mas há pequenos detalhes que contradizem o veredicto do comissário encarregado do caso.


O que parecia banal é afinal muito mais profundo. Com uma história cheia de pistas subtis, Sciascia mostra-nos onde a lógica, a ética e a corrupção entram em confronto, e ao longo de todo o conto sentimos o peso silencioso da máfia siciliana.


Se perguntarmos a um siciliano:

E la mafia?

a resposta será, quase sempre:

La mafia non c'è!


* A Natividade com São Francisco e São Lourenço está desaparecida desde 1969, quando foi roubada do Oratório de São Lourenço em Palermo. Os investigadores acreditam que a pintura mudou de mãos entre a Máfia Siciliana nas décadas seguintes ao roubo e pode ainda estar escondida.

Uma réplica está pendurada no altar, desde 2015.


Itália

[Opinião] O Homem da Areia - Lars Kepler

                                     


 

Série: Joona Linna #4

Autor: Lars Kepler

Data de Leitura: 15/11/2025 ⮞ 30/11/2025

Classificação: 


Sinopse

Jurek Walter é um dos assassinos em série mais perigosos e mortais do mundo, um psicopata tão sinistro e tão inteligente como Hannibal Lector. Embora esteja há mais de uma década encarcerado na ala psiquiátrica de um hospital de alta segurança, a Polícia jamais conseguiu desvendar os seus crimes e descobrir o paradeiro das suas inúmeras vítimas. No entanto, quando o jovem Mikael Kohler-Frost, supostamente morto há mais de sete anos, é encontrado a vaguear numa ponte ferroviária, hipotérmico e às portas da morte, o comissário Joona Linna vê-se obrigado a reabrir o caso e a aproximar-se do homem que o privou da sua família, o homem que, mais do que tudo, o deseja morto.


À medida que as investigações avançam, o perigo adensa-se e torna-se imperativo entrar na mente do perigoso assassino, antes que o tempo se esgote…


Minha review no GoodReads


Cada vez mais gosto desta dupla.

Um jovem desaparecido há treze anos reaparece.


É noite. A neve cai, soprada pelo vento do mar. Na ponte ferroviária caminha um rapaz, na direção de Estocolmo

(…)

A ponte, com dois quilómetros de comprimento, começa a vibrar. Um comboio aproxima-se, atravessando a noite com um silvo.

O rapaz vacila, senta-se no carril, mas levanta-se e continua a andar.

(…)

Tudo em volta dele é um remoinho de neve e um abismo de escuridão.

(…)

Chama-se Mikael Kohler-Frost. Desapareceu há treze anos, e há sete foi oficialmente declarado morto.


Mas ainda falta encontrar a irmã de Mikael, Felicia Kohler-Frost. A suspeita do seu desaparecimento recai sobre Jurek Walter.

Jurek Walter, um dos criminosos mais perigosos da Suécia foi preso graças à investigação de Joona, e é considerado responsável pelo desaparecimento e morte de várias pessoas. É tão perigoso que está numa cela de isolamento, e quem tem que de alguma forma interagir com ele tem de usar tampões para os ouvidos para não ser manipulado por ele.

Joona Linna e a sua equipa montam uma operação arriscada e é Saga Bauer quem acaba por ganhar um papel de destaque quando se infiltra na prisão com o objectivo de aproximar-se de Jurek e recolher o maior número de pistas possíveis para encontrar Felicia.

Foi uma leitura tensa do início ao fim, com capítulos curtos que tornam impossível pousar o livro. A história avança sempre com a sensação de que algo terrível está prestes a acontecer. Entre reviravoltas bem calculadas e aquela atmosfera gélida tão própria da série, é uma história que prende, inquieta e deixa vontade de continuar imediatamente para o livro seguinte.

[Opinião] Crime no Vicariato - Agatha Christie

                               


Título: Crime no Vicariato

Série: Miss Marple #1

Autor: Agatha Christie

Data de Leitura: 18/11/2025 ⮞ 24/11/2025

Classificação: 


Sinopse

Na pacata aldeia inglesa de St. Mary Mead o dia-a-dia decorre sem incidentes de relevo. Mas quando o coronel Protheoroe é encontrado sem vida na casa do vigário, não faltam suspeitos, pois o homem era francamente detestável. Aliás, assim de repente, Miss Marple consegue apontar pelo menos sete pessoas com motivos para o ver morto. Para a polícia, a velhinha não passa de mais uma bisbilhoteira armada em detetive, mas cedo irá perceber a verdade: nunca se deve subestimar Miss Marple.

Miss Marple é uma velhinha solteirona que vive em St. Mary Mead, uma pequena aldeia inglesa. Embora não pareça, ela é muito observadora e está sempre alerta. O seu sucesso como detetive amadora advém do seu instinto, experiência e conhecimento da natureza humana. Por causa disso, espera sempre o pior das pessoas... frequentemente com razão.



Minha review no GoodReads


A par com Hercule Poirot, Miss Marple é das minhas personagens favoritas de Agatha Christie. 



Depois de ter lido a série Tommy & Tuppence, chegou a hora de me embrenhar em St. Mary Mead, aquela aldeia inglesa, com um ambiente tipicamente “british”, onde todos se conhecem e onde não faltam boatos, pequenas intrigas e observações maliciosas. Mas há alguém que, de forma discreta e perspicaz, conhece melhor do que ninguém os pequenos pecados e motivações escondidas dos seus habitantes – Miss Marple.


O sossego e a pacatez de St. Mary Mead são abalados com o assassinato do coronel Protheroe, na casa do vigário. Depressa se percebe que a cena do crime foi cuidadosamente encenada, mas por quem? Duas pessoas chegam a confessar, mas ambas mentem. Fica a pergunta no ar: quem é o verdadeiro assassino? A investigação é conduzida pelo inspector Slack, mas não avança com grande sucesso. É então que entra em acção Jane Marple que, através das suas observações e deduções, consegue descobrir o culpado.


Começo a perceber que as adaptações televisivas talvez me impactem mais do que os livros. Ou, quem sabe, o facto de já ter visto a maior parte delas acabe por enviesar a leitura, tirando-lhe parte do factor surpresa e da tensão. Na televisão, o ambiente, os cenários, as interpretações e a construção visual acabam por dar uma vida muito própria a Miss Marple e nem sempre consigo sentir essa mesma intensidade no texto.


[Opinião] James - Percival Everett

                     


 

Título: James

Série: -

Autor: Percival Everett

Data de Leitura: 15/11/2025 ⮞ 17/11/2025

Classificação: 


Sinopse

Quando o escravo Jim ouve rumores de que será vendido a um homem de Nova Orleães e para sempre separado da mulher e da filha, decide esconder-se na ilha de Jackson e conceber um plano. Inesperadamente, vê aparecer o jovem Huck Finn, que acaba de fingir a própria morte para escapar às mãos do pai violento. Mais de um século depois de Mark Twain ter escrito As Aventuras de Huckleberry Finn, elas são agora retomadas por Percival Everett, que lhes muda o ponto de vista. Quem é Jim? Quais as suas paixões? E até onde está disposto a ir para vingar os seus? James é uma reinvenção brilhante de um clássico da literatura mundial, ferozmente divertido e provocador, e uma lição notável sobre o poder da linguagem, pelas mãos de um dos mais aclamados autores norte-americanos da atualidade.


Minha review no GoodReads


Há alguns anos, quando li The Adventures of Huckleberry Finn, senti que o romance de Twain, apesar de narrado por Huck, tinha uma sombra gigantesca: Jim. Na altura escrevi que a história me parecia mais sobre Jim do que Huck., e que o escravo fugido oscilava entre o cómico e o trágico, entre o sonho da liberdade e a humanidade de salvar um rapaz branco ferido, mesmo colocando em risco a sua própria vida. Já nessa leitura se insinuava a ideia de que Jim carregava uma história dentro de si, uma que o romance original apenas deixava entrever.

É precisamente essa narrativa escondida que Percival Everett resgata, expande e faz explodir em James.

Twain abre o seu livro com a voz insolente e ingénua de Huck:

YOU don't know about me, without you have read a book by the name of The Adventures of Tom Sawyer; but that ain't no matter. That book was made by Mr. Mark Twain, and he told the truth, mainly. There was things which he stretched, but mainly he told the truth. That is nothing. I never seen anybody but lied one time or another, without it was Aunt Polly, or the widow, or maybe Mary. Aunt Polly—Tom's Aunt Polly, she is—and Mary, and the Widow Douglas is all told about in that book, which is mostly a true book, with some stretchers, as I said before.

Everett, por seu lado, apresenta-nos James, um homem negro alfabetizado que é forçado a fingir ignorância para sobreviver:

— Os brancos esperam que falemos de uma determinada maneira e só ganhamos em não os desiludir — respondi. — Quem sofre quando eles se sentem inferiores somos nós. Talvez devesse dizer «quando não se sentem superiores». Vamos lá então fazer uma pausa para rever a matéria básica.

O artifício linguístico que Twain utilizou para marcar a “fala dos escravos” é aqui recuperado e invertido, de modo a mostrar como a linguagem pode ser uma arma de submissão e, simultaneamente, de resistência. Se entre brancos James tem de representar o papel de analfabeto, entre iguais fala com uma eloquência e uma inteligência que mudam por completo tudo o que julgávamos saber sobre ele.

A fuga ao longo do rio Mississippi, que em Twain tem algo de travessura juvenil, converte-se aqui numa viagem desesperada, onde cada passo pode significar vida ou morte. Huck continua presente, um miúdo ingénuo, vítima de um pai violento e alcoólico, mas a sua aventura ganha outra dimensão quando percebe verdadeiramente o que significa a escravatura.

— Já escolheste de que lado estás? — perguntei.

— Do lado da União — disse ele.

— São a favor da escravatura ou contra?

— São contra.

Assenti.

— Obrigado, Huck.

Se já achava que o original era uma subtil declaração a favor da igualdade e contra o racismo, Everett retoma a história, vira-a do avesso e revela os silêncios e as distorções inscritos no texto de Twain.

Há episódios que condensam o absurdo da supremacia branca, como o dos músicos que se pintam de negro para imitarem escravos, enquanto o próprio James é obrigado também a pintar-se para se disfarçar:

— Pessoal, pintem-se de preto. Está quase na hora de irmos para a vila.

Emmett passeou-se pelo acampamento como um general.

— Esclarece-me uma coisa — disse eu a Norman. — Tenho de parecer um negro autêntico, mas para isso tenho de me pintar.

— Não é bem assim. Tu és negro, mas, se eles souberem que és negro, não te deixam entrar no auditório, por isso tens de ser branco debaixo da maquilhagem para pareceres negro ao público.

Se achava que Twain em 1884 deve ter feito um grande estrondo, Everett vai mais longe e não só reescreve, reivindica como dá voz à personagem que sempre esteve lá, mas que a tradição literária manteve em silêncio.

[Opinião] O desencanto - Beatriz Serrano

                                   


 

Título: O desencanto

Série: -

Autor: Beatriz Serrano

Data de Leitura: 08/11/2025 ⮞ 15/11/2025

Classificação: 


Sinopse

«Brincar aos escritórios é fácil se soubermos como. O trabalho é apenas um papel que é preciso interpretar. Aprendi a dominá-lo na perfeição: domino as piadas que funcionam sempre para quebrar o gelo. Sei o que tenho de perguntar para parecer atenta e interessada. E sei o que tenho de dizer para que o tempo flua mais rápido sem fazer realmente nada até às seis da tarde.»

Marisa está na casa dos trinta anos e fartinha do seu emprego. A única forma de lidar com as provações e aflições da vida numa agência de publicidade é visitar o Prado depois de almoço, e também entorpecer os sentidos com um cocktail de ansiolíticos e vídeos intermináveis nas redes. Uma das razões pelas quais aparece no escritório é para poupar dinheiro em ar condicionado no calor sufocante de agosto em Madrid. Marisa detesta trabalhar, mas o emprego é a única coisa que lhe garante um ordenado para pagar a renda e comprar todas as coisas bonitas a que não resiste.

Durante a semana que antecede uma viagem «inesquecível» de team building organizada pela empresa, a ansiedade de Marisa dispara. Conceber passar um fim de semana inteiro com os seus colegas de trabalho é uma ideia insuportável, desencadeando a memória soterrada de um acontecimento traumático no escritório. Com o passar dos dias, a sua máscara social, incólume e polida ao longo dos anos, vai-se quebrando até rebentar com estrondo, ameaçando pôr toda a sua vida em desatino.

Este romance de pena afiada e humor na dose certa é uma seta que se espeta no leitor a cada palavra - é a nossa vida, enfim. Uma radiografia magistral das crises vividas por qualquer trabalhador, da solidão, da necessidade de relações e conexões humanas para encontrar uma luz de esperança que nos dê força para não nos atirarmos para a frente de um autocarro sempre que chega a segunda-feira de manhã.


Minha review no GoodReads


Afinal, a vida é muito parecida com qualquer motor de pesquisa da Internet: à medida que vamos tomando decisões, vão-se reduzindo as nossas possibilidades, até termos de escolher entre duas ou três e rezar para não nos termos enganado. Agora eu sou o meu próprio algoritmo (…).


O Desencanto, de Beatriz Serrano, é um romance leve na forma e pesado no que interessa. Lê-se rápido, sim, mas sem nunca perder profundidade. A escrita é simples, irónica, sarcástica, mordaz e com aquele humor que alivia sem esconder o que está à vista: uma protagonista a caminhar perigosamente no fio da exaustão.


Marisa tem trinta e poucos anos e trabalha no mundo da publicidade, numa agência da Gran Vía, em Madrid.

Head of creative strategy”, como ela gosta de dizer, embora a vida que leva seja tudo menos criativa.


É competente e responsável q.b., mas vive num quotidiano insípido, superficial e terrivelmente solitário. Detesta o emprego


Em todos estes anos de trabalho, também aprendi a dominar a arte de trabalhar o menos possível.


detesta a cultura corporativa


Os team building são outra parvoíce copiada de empresas americanas (…).


e detesta, sobretudo, a pose dos colegas sempre prontos para bajular quem convém.


Pela possibilidade de uma promoção, pela confortável sensação de uma palmadinha nas costas ou pela expectativa de se aproximarem de um peixe graúdo da empresa e demonstrarem, por fim, o valor que julgam ter dentro da mesma.


Sobrevive à custa de comprimidos para dormir, ansiolíticos e tutoriais absurdos do YouTube que a ajudam a fingir que está tudo bem.


O YouTube é a minha janela para um mundo em que gostaria de poder estar sempre presente.


O livro é, acima de tudo, uma crítica feroz ao capitalismo moderno e às suas versões açucaradas: a motivação tóxica, o culto da produtividade, a insegurança laboral permanente, o consumismo que promete sentido e entrega vazio. Fala da solidão, da ansiedade e do que acontece quando a vida profissional devora tudo o resto. Vale mesmo a pena passar os dias a trabalhar para deixar de viver?


Gostei do romance. Não me revejo totalmente no descontentamento da Marisa, mas reconheço partes dela — e suspeito que muitos se verão ali também. Por vezes é difícil admitir que não estamos bem.


Afinal, precisamos de poucas coisas na vida: alguém que nos ame, uma cama com grandes almofadões, umas latas de cerveja bem frescas e uns tomates que saibam a alguma coisa.


Achievement Bite-Size Books