Título: Flores Modernas
Série: -
Autor: Chrysanthème
Data de Leitura: 17/08/2025 ⮞ 21/08/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐
Sinopse
"Flores modernas" é um contundente exemplo da escrita feminista de Chrysanthème. Entre as várias personagens que circulam em suas páginas, pelas ruas do Rio de Janeiro dos anos 20, estão mulheres com os mais variados anseios e sonhos. Algumas resignadas aceitam o seu destino, outras, no entanto, se dispõem a lutar pelos seus desejos ainda que enfrentando os valores impostos pela sociedade de seu tempo. Esta reedição do livro publicado em 1921 teve a ortografia atualizada e conta com notas explicativas, para termos e palavras fora de uso.
Minha review no GoodReads
Publicar um romance em 1921 no Rio de Janeiro, assinado por uma mulher e cheio de personagens femininas que bebem, maquilham-se, traem e falam demais, não era propriamente uma receita para o sucesso. Mas Chrysanthème — pseudónimo de Cecília Vasconcelos — não pediu licença.
Flores modernas, o seu primeiro romance, abre a série de livros em que as mulheres invadem o espaço público, enfrentam maridos, discutem moda, política e, claro, desejam.
O livro é um ramalhete de perfis femininos, cada uma delas metaforizada em flor:
Maria José, a jovem loira oxigenada que ri alto, usa saias curtas e sonha em casar — representa o choque de gerações: pinta-se, desafia convenções, casa-se com um velho comendador por conveniência e, logo depois, mergulha numa vida de cinemas, amantes e vestidos ousados. Não é preciso muito para prever que a liberdade conquistada terá um preço alto.
Henriqueta, a femme fatale de cabelos ruivos, casada mas adúltera, sempre cercada de dândis e do burburinho carioca.
Hortência, a amiga fiel, boa mãe, abandonada pelo marido — modelo da mulher “respeitável”, mas igualmente infeliz.
Essas três “flores” passeiam-se pelo Rio de Janeiro dos anos 20, teatros, eléctricos/bondes, confeitarias, festas em Laranjeiras.
Entre avós moralistas (D. Anninha, que vê no batom e no decote sinais do Apocalipse) e mães hesitantes (Maria Luíza, sempre dividida entre a voz da tradição e o fascínio pelo novo), a cidade moderna serve de palco aos desejos reprimidos que começam a ganhar espaço.
Mas o romance é menos sobre estas “flores” e mais sobre as ervas daninhas do patriarcado. Chrysanthème desmonta os papéis tradicionais — esposa fiel, mãe dedicada, jovem recatada — e mostra o que acontece às mulheres que ousam escapar aos padrões. A modernidade aparece como promessa e maldição: se, por um lado, abre espaços (moda, ruas, trabalho), por outro, cobra caro das que se atrevem a vivê-la.
Flores modernas acaba por ser um romance contraditório. Tem um pé no século XIX (prosa ornamental, ecos do folhetim) e outro no século XX (crítica social, protagonismo feminino, ironia corrosiva). Lê-lo hoje é como abrir um álbum de família e descobrir bisavós rebeldes, que já em 1921 cortavam o cabelo “à rapaz”, riam demasiado alto e eram punidas por isso.
Chrysanthème não escrevia para agradar ao cânone, mas para provocar a moral da sua época. E conseguiu, as suas flores continuam a incomodar, o que só as torna ainda mais modernas.