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[Opinião] De cada quinhentos uma alma - Ana Paula Maia

                                  


  

Série: Trilogia do Fim #2

Autor: Ana Paula Maia

Data de Leitura: 30/10/2025 ⮞ 01/11/2025

Classificação: 


Sinopse

Mais uma vez, Ana Paula Maia consegue trazer para o centro da narrativa os mais dilacerantes conflitos humanos e explorar com requinte literário as nuances do bem e do mal.


Edgar Wilson trabalha recolhendo animais mortos. Ele é responsável por levar as carcaças até um grande depósito onde um triturador dizima os despojos. Contudo, quando o país entra em colapso e começa a enfrentar situações cada vez mais inusitadas, ele acaba usando seu conhecimento para tentar dar sentido ao caos e encontrar uma forma de sobreviver à barbárie.Ao juntar-se a Bronco Gil e ao ex-padre Tomás, os três anti-heróis passam a rodar pelas estradas testemunhando a atração exercida pelo ocaso da realidade, desafiando tanto poderosos locais quanto instituições que não são bem o que eles imaginavam.Em um misto de romance de aventura e narrativa psicológica, Maia constrói personagens brutalizados, mas absolutamente humanos, que buscam seu lugar no mundo.


Minha review no GoodReads


Ao que parece, De cada quinhentos uma alma é o segundo volume da Trilogia do Fim, iniciada com Enterre seus mortos e concluída com Búfalos selvagens.


Pela amostra deste De cada quinhentos..., o universo de Ana Paula Maia é árido, violento e profundamente simbólico. O cenário é de destruição, de fé distorcida, onde os homens lutam para sobreviver entre ruínas e cinzas.


Desde que a epidemia se instalou, as estradas estão desertas, assim como ruas, praças e parques. As fronteiras, fechadas, e o abastecimento, comprometido. A escassez começa a dar passagem ao desespero. Nas últimas três semanas, raramente um automóvel é visto a circular por essas bandas. Com a epidemia veio o isolamento. Com o isolamento, o silêncio. As explosões nas pedreiras cessaram e nem o cricrilar de um grilo ou o mugido de uma vaca se fazem ouvir. Quem não suporta a si mesmo compreenderá que o inferno não são os outros, nem está nas profundezas dos abismos.


A escrita é seca, precisa e muito visual. Ainda assim, não consegui envolver-me totalmente. Senti que andávamos à deriva – talvez propositadamente – passando de um cenário para outro, todos marcados pelo caos, sem que nenhum se destacasse ou trouxesse verdadeiro sentido à errância das personagens.


Em qualquer outro momento das suas vidas, eles seriam parados e presos por transportarem uma centena de corpos. Mas hoje é diferente. Possuem licença para passar justamente por estarem a conduzir os mortos para um destino que relutam em acreditar, mas que começa a concretizar-se à medida que avançam pela estrada e veem, no horizonte, a densa fumaça negra a subir ao céu e a dissipar-se antes de tocar a nuvem mais alta.


Apesar da atmosfera bem construída, faltou-me algo. Não consegui criar empatia com Edgar Wilson, Bronco Gil ou o ex-padre Tomás; a violência constante, quase ritual, acaba por afastar, e a sucessão de situações absurdas reforça a sensação de estranheza e distância.


Quando partiam para a guerra, os soldados repartiam as sobras da batalha, os bens conquistados com a vitória sobre o adversário. Eram os espólios de guerra. Fosse ouro, fossem armas. Até mesmo mulheres e gado. São esses os tributos dos homens de guerra. Assim era ordenado pelo Senhor que os homens que pelejavam em Seu nome, quando vitoriosos, deveriam repartir os bens conquistados na batalha travada consigo. “De cada quinhentos uma alma”; tanto dos homens como dos bois, dos jumentos e das ovelhas. Tudo era repartido com o Senhor. A alma de homens, de bois, de jumentos e de ovelhas. Tudo o que era repartido deveria ser sacrificado. Com o sangue derramado em combate, também se derrama sangue em reverência a Deus, tornando sagrados o combate, os espólios e a guerra.


Lê-se com interesse, mas também com desconforto.