Série: -
Autor: Joana Bértholo
Data de Leitura: 11/05/2025 ⮞ 07/06/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Numa sociedade que se fundiu com o mercado - tudo se compra, tudo se vende - começamos a pagar pelas palavras.
A estranheza inicial dá lugar ao entusiasmo.
Afinal, como é que falar podia permanecer gratuito? Há seis mil idiomas no mundo.
Seis mil formas diferentes de dizer ecologia, e tão pouca ecologia.
Seis mil formas diferentes de dizer paz, e tão pouca
paz. Seis mil formas diferentes de dizer juntos, e cada um por si.
Minha review no GoodReads
Nunca como neste momento houve acesso a tanta informação, mas também nunca houve esta sensação de não ser capaz de a ler, de a interpretar, de a relacionar com um sistema maior. Um mundo cheio de frentes, crescentemente polarizado, e tantas cabeças que até Perseu ficaria sem saber qual enfrentar primeiro. A realidade tornou-se como um desses romances pós-modernos em crescente entropia, pesado em referenciação, sem personagens coerentes, sem fio condutor, e sempre tentando engolir as suas próprias margens. Antes, ainda era o Leste contra o Ocidente, a Esquerda contra a Direita, ou o Sul contra o Norte. Agora é o meridiano contra o paralelo, o degelo contra o aquecimento, o homem contra a natureza, o geneticamente modificado contra o bio, os analógicos contra os informatizados, os retro contra os forward, a bicicleta contra o carro, o livro contra o ebook, o Tinder contra o olá-com’é-que-te-chamas-posso-pagar-te-um-copo, o Netflix contra os torrents, o emoticon contra o telefonema, o acordo ortográfico contra o desacordo, o açúcar contra o aspartame, a reciclagem contra a reutilização, o granel contra a embalagem, os vacinados contra o não vacinados, a Humana contra a H&M, o Hygge contra o Pokemon, os Orwellianos contra os Huxleyanos, e todos contra o glúten.
Há livros que não pedem resenhas, pedem discussões, confronto de ideias e reacções. O livro Ecologia da Joana Bértholo pede uma mesa cheia de gente dos mais diversos quadrantes, um espaço onde se pensasse em conjunto sobre o que significa viver e resistir numa sociedade que tende a esvaziar o sentido das palavras e das coisas. Um lugar onde se discutisse o valor da linguagem, da arte, da política e da vida em comum. Sim, porque o que está em causa é tudo: a linguagem, o poder, o consumo, a resistência. E talvez, só talvez, alguém trouxesse o livro da Joana Bértholo debaixo do braço — não como resposta, mas como faísca.