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[Opinião] Orbital - Samantha Harvey

                       



Título: Orbital

Série: -

Autor: Samantha Harvey

Data de Leitura: 30/04/2025 ⮞ 09/05/2025

Classificação: 


Sinopse

Seis astronautas orbitam a Terra a bordo de uma nave espacial, a fim de recolher dados meteorológicos e de realizar experiências científicas. Acima de tudo, porém, observam. Juntos, contemplam o nosso silencioso planeta, que lhes oferece, tudo no simples passar de um dia, um espetáculo infinito, uma de beleza de cortar a respiração.

Contudo, mesmo tão distantes do mundo, os seis astronautas não conseguem escapar à sua constante influência. Chegam notícias da morte de uma mãe, trazendo pensamentos de regresso e de saudades de casa. A fragilidade da vida humana torna-se um tema central nas suas conversas, nos seus medos e nos seus sonhos.

Apesar de tão longe da Terra, nunca antes se haviam sentido tão protetores dela, tão parte dela. Começam a o que será a vida sem a Terra? O que será a Terra sem a humanidade?


Minha review no GoodReads



Here am I floating 'round my tin can

Far above the moon

Planet Earth is blue

And there's nothing I can do

Space Oddity - David Bowie ‧ 1969


Vinte e quatro horas na vida de seis cosmonautas.


E assim é, mas, neste novo dia, vão dar dezasseis voltas à Terra. Vão ver dezasseis alvoradas e dezasseis pores-do-sol, dezasseis dias e dezasseis noites.


Anton — calado, seco no humor, sentimental, chora abertamente ao ver filmes e, as cenas do outro lado da janela —, Anton, o coração da nave espacial ) sente saudades da família, pensa em Michael Collins, olha a foto da Terra. Sempre quis ir à Lua, é russo, tem um nó na garganta, chora com a história de Chie sobre a mãe e, na infância, fez modelos de naves espaciais.


Pietro, a cabeça. -Pietro deseja que a nave espacial seja uma velha casa de campo, monitoriza micróbios, já tem 400 dias no espaço, extremamente controlado por impulsos, mesmo em criança, ajudou um pescador e a sua família nas Filipinas, tem uma filha.


Roman (o comandante atual, hábil e competente, capaz de consertar tudo, de controlar o braço robótico com uma precisão milimétrica, de montar a mais complexa placa de circuito), as mãos. 434.º dia, russo, tem um filho que lhe deu uma lua de feltro, comunica com a Terra, já queria ser cosmonauta ainda no ventre materno.


Shaun, a alma (Shaun está lá para os convencer a todos de que têm almas). A esposa e o postal com Las Meninas, observa agriões, cristão, viu a primeira alunagem com o pai e o avô, lançamento do Challenger, medo, comunica com a base terrestre, norte-americano, deve relatar o futuro da humanidade.


Chie (metódica, justa, sensata, difícil de definir ou identificar), a consciência. A mãe morre, agora é órfã, japonesa, cultiva cristais de proteínas, escreve listas, observa ratos, foto com a mãe no dia da aterragem na lua, a família escapou por pouco à explosão da bomba atómica em Nagasaki;


Nell (com pulmões de mergulho de oito litros), o fôlego. Nell (Respiração da nave espacial), inglesa, tem um irmão constipado, mergulhadora, ateia, cabelo curto e espetado, experiência de iniciação: o lançamento do Challenger, montou com Pietro um espectroscópio na parede exterior da nave, é casada com um irlandês que cuida de ovelhas.


Nada de extraordinário acontece durante estas vinte e quatro horas. Há um super tufão nas Filipinas, conhecemos alguns detalhes sobre a vida destas personagens e os países que “sobrevoam”. Há uma ausência de gravidade e de enredo — não há drama, tensão ou algo que nos agarre —, mas a escrita é bonita e, no final, até que foi uma boa leitura.

Aliás, aquilo de que mais gostei foi a “aula” do professor de Shaun sobre um quadro que aprecio muito e que, felizmente, já tive oportunidade de ver no Museu do Prado.

Diego Velázquez, 1656, Museo del Prado, Madrid, Espanha


Qual é o tema do quadro? escreveu a mulher de Shaun nas costas do postal. Quem está a olhar para quem? O pintor, para o rei e a rainha; o rei e a rainha, para eles próprios ao espelho; o espectador, para o rei e a rainha no espelho, o espectador, para o pintor; o pintor, para o espectador, o espectador, para a princesa, o espectador, para as damas de honor? Bem-vindo ao labirinto de espelhos que é a vida humana.


E a resposta de Pietro:


Pietro fica a olhar por um bocado para a pintura, depois, um pouco mais, até que diz É o cão.

Shaun olha então — quando Pietro lhe devolve o postal e estende o braço para lhe apertar a curva ossuda do ombro antes de mergulhar para longe — para o cão em primeiro plano. Nunca tinha olhado para ele com olhos de ver, mas agora não consegue olhar para mais nada. Tem os olhos fechados. Num quadro que tem tudo que ver com olhar e ver, é a única coisa viva na cena que não está a olhar para lugar nenhum, para ninguém nem para nada. Shaun repara no tamanho e na beleza do cão, e na sua proeminência, e, não obstante os olhos fechados, não há nada caído ou mole naquela soneca. As patas estão estendidas, a cabeça, ereta e altiva.


Não pode ser coincidência, pensa, numa cena tão orquestrada e simbólica, e, de repente, parece-lhe que Pietro tem razão, que ele compreendeu a pintura, ou que o comentário de Pietro o fez ver um quadro totalmente diferente daquele que tinha visto antes. Agora não vê um pintor, nem uma princesa, nem uma anã, nem um monarca, vê o retrato de um cão. Um animal rodeado da estranheza dos humanos, da estranheza de todos os punhos e folhos e de todas as sedas e posturas, dos espelhos, dos ângulos e dos pontos de vista; de todas as formas com que tentam não ser animais e da comicidade de tudo aquilo, quando olha para a pintura agora. E a forma como o cão é a única coisa na pintura que não é nem um pouco risível nem está preso no seio de uma matriz de vaidades. A única coisa no quadro sobre a qual se poderia dizer vagamente que é livre.