Série: -
Autor: Héctor Abad Faciolince
Data de Leitura: 01/03/2025 ⮞ 15/03/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
A obra-prima do escritor colombiano é um comovente tributo à memória pessoal, familiar e política do seu pai. Um dos romances latino-americanos mais celebrados do século XXI.
A 25 de Agosto de 1987, o médico colombiano Héctor Abad Gómez é assassinado por paramilitares na cidade de Medellín, a poucos dias de umas eleições em que era candidato. Seis balas na cabeça puseram fim a uma vida de luta contra a opressão e a desigualdade social, num país amordaçado pelo narcotráfico e pela política suja.
Vinte anos depois, o filho, o escritor Héctor Abad Faciolince, decidiu contar a história do pai até ao terrível epílogo. O resultado é um livro belíssimo, poderoso no que conta, comovente no que deixa intuir, uma história dilacerada e dilacerante sobre família e pertença, sobre perda e luto.
Educação sentimental, romance de formação, radiografia da sociedade colombiana desfigurada pela violência, Somos o Esquecimento que Seremos é um romance em que pulsam memórias e afetos, escrito com a cabeça e com o coração, que emociona sem sentimentalismo, que indigna sem reclamar vingança. A obra-prima de um dos mais elogiados escritores colombianos do nosso tempo.
Minha review no GoodReads
Héctor Abad Faciolince nasceu em Medellín, na Colômbia, em 1958. Em 1987, o pai foi assassinado por paramilitares colombianos. Vinte anos depois decidiu contar a história do pai.
É um dos paradoxos mais tristes da minha vida: quase tudo o que escrevi foi escrito para alguém que não pode ler-me, e mesmo este livro não é mais do que uma carta a uma sombra.
Num testemunho comovente do amor de um filho pelo seu pai, Faciolince conseguiu transmitir-me todas as suas emoções – o amor incondicional, a ternura e a admiração.
Eu amava o meu pai com um amor animal. Gostava do cheiro dele, e também da lembrança do cheiro dele, sobre a cama, quando estava de viagem, e pedia às criadas e à minha mãe que não mudassem os lençóis nem a fronha da almofada.
Nos anos 80, a Colômbia era um país mergulhado numa violência desmedida. O conflito entre o Estado, o narcotráfico, os grupos paramilitares e as guerrilhas de esquerda (quem não se lembra das FARC?!) tornou Medellín numa das cidades mais perigosas do mundo. O cartel liderado por Pablo Escobar tinha o domínio absoluto sobre a cidade e espalhava o terror. A repressão política e o combate ao narcotráfico resultavam em sequestros, assassinatos e desaparecimentos. Foi neste ambiente que viveu e morreu um homem que lutou pela dignidade humana e cuja única arma era a palavra.
Héctor Abad Gómez era médico e professor universitário, profundamente comprometido com a saúde pública e os direitos humanos. Defendia a medicina preventiva como forma de combater a desigualdade e a pobreza, lutava pela vacinação gratuita, pelo acesso a água potável e por condições sanitárias dignas para os bairros mais pobres de Medellín.
O trabalho de Héctor Abad Gómez incomodava os poderosos. O seu discurso, pautado pela justiça e pelo humanismo, colidia com os interesses daqueles que lucravam com a desigualdade. No entanto, nunca recuou. Escrevia artigos em jornais onde denunciava os abusos do governo, marchava pelas ruas exigindo mudanças e enfrentava com coragem aqueles que queriam silenciá-lo.
Héctor Abad Faciolince, como narrador, resgata o pai do esquecimento e traça o retrato de um homem íntegro, idealista, que se recusava a aceitar a injustiça como um destino inevitável.
(…) cristão na religião, (…) marxista na economia, (…) liberal em política,(…)
Faciolince recorda a infância feliz passada ao lado de um pai carinhoso, presente e protector. Cresceu numa casa cheia de mulheres – a mãe, as irmãs, as tias – e encontrou um porto seguro no pai. Esta relação profundamente carinhosa está presente em cada página.
A mãe, mais pragmática e religiosa, equilibrava-se com o espírito livre e racionalista do pai. Enquanto ela seguia a fé católica, ele era um livre-pensador. Essa diferença nunca os afastou e fortaleceu a dinâmica familiar.
Os momentos de ternura, as conversas sobre literatura, as brincadeiras inocentes, tudo isso mostram uma infância feliz. Mas essa felicidade tinha prazo de validade.
E então acontece o irreparável.
No dia 25 de agosto de 1987, Héctor Abad Gómez é assassinado por dois jovens numa mota, que descarregam as suas armas contra ele.
Ergue o rosto e vê a cara malévola do assassino, o clarão no cano da pistola, ouve, ao mesmo tempo, os tiros e sente que uma pancada no peito o derruba. Cai de costas, saltam-lhe os óculos e partem-se e, já no chão, enquanto pensa pela última vez, tenho a certeza, em todos os que ama, sentindo dores lancinantes no peito, consegue ver, confusamente, a boca do revólver a cuspir fogo outra vez e finalizar com vários tiros na cabeça, no pescoço e, uma vez mais, no peito. Seis tiros, o que quer dizer que um dos assassinos esvaziou o carregador inteiro para o matar.
Durante anos, Héctor Abad Faciolince foi incapaz de escrever sobre a morte do pai. Cada tentativa era sufocada pelas lágrimas. A dor era insuportável. Mas, vinte anos depois, as palavras finalmente encontraram o seu caminho.
Ao esvaziar os bolsos do pai no dia da sua morte, Faciolince encontrou um papel com um poema de Jorge Luis Borges:
Epitáfio
Já somos o esquecimento que seremos.
O pó elementar que nos ignora
e que foi o rubro Adão, e que é agora,
todos os homens, e que não veremos.
Já somos no túmulo as duas datas
do princípio e do termo. O caixão,
a mortalha e a obscena corrupção,
os triunfos da morte, e as endechas.
Não sou o insensato que se aferra
ao mágico som do seu nome.
Penso com esperança naquele homem
que não saberá quem fui sobre a terra.
Sob o indiferente azul do céu
esta meditação é um consolo.
O livro é a tentativa do autor de impedir esse esquecimento, e que bela tentativa.