Série: -
Autor: Camille Laurens
Data de Leitura: 29/12/2024 ⮞ 07/01/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Nos anos 60, em Rouen, no Norte de França, Laurence Barraqué cresce, juntamente com a irmã, numa família de classe média. O pai é médico; a mãe, dona de casa. Desde cedo, a menina percebe que o lugar de uma rapariga na vida é considerado inferior ao de um rapaz. O pai, de resto, quando questionado, num recenseamento, se tinha filhos, logo se apressa a responder: «Não. Tenho duas filhas.»
Anos depois, ao tornar-se mãe, Laurence confrontará o significado de ser uma rapariga, de ter uma rapariga, e dos legados que devem ser transmitidos ou desfeitos.
A francesa Camille Laurens, com a habilidade de uma romancista e ensaísta vencedora de prémios, entre os quais o Prix Femina, uma das mais prestigiadas distinções gaulesas na Literatura, explora de forma superior as subtilezas do menosprezo das mulheres na sociedade. Menina é um relato íntimo dos desafios da subestimação feminina e uma obra incontornável na transmissão de valores.
Minha review no GoodReads
E logo no início do ano, um favorito! Oxalá o ano seja fértil em leituras poderosas.
Um livro que faz reflectir sobre o que significa ser mulher em diferentes etapas da vida.
Um obra que deve ser lida por meninas e meninos!
«É menina.»
(…)
Segundos antes, ela ou ele, tudo era possível, a gramática ainda magicava a sua paisagem, agora cortaram-te as asas (…)
«É menina.»
És menina.
Também não é drama nenhum, sabes? Tens os olhos rasgados, mas não estamos na China. Não estamos na Índia. Hoje em dia, «é menina» é uma frase proibida na Índia. Dizer «é menina» antes do nascimento pode dar três anos de prisão e dez mil rupias de multa: já não é possível pedir ou praticar uma ecografia para ver o sexo da criança e abortar em consequência, pois são muitas as meninas que desaparecem; à força de as asfixiarem antes de nascerem, existem aldeias inteiras de homens solteiros. À força de liquidar as meninas, já não encontram almas gémeas. Antes de inventarem a ecografia, matavam-nas ao nascerem. Se tivesses nascido na Índia ou na China, talvez estivesses morta. Em Rouen, não há problema. Gostam de ti, apesar de tudo.
«Sabes o que é horrível, mãe? É que as mulheres têm sempre medo, em todo o lado, em todas as épocas. Claro que têm menos medo aqui do que na Índia ou sei lá onde, mas pronto, seja consciente ou não, vivem no medo, medo dos homens.» Pouso a faca ao lado do montinho de cascas, limpo as mãos. «É verdade, querida. Ao mesmo tempo, os homens também têm medo. Temos mesmo de os opor a nós? Será que…?». «Não tem nada que ver. O domínio vem dos homens. Lá por alguns terem medo, paciência, não vamos chorar por eles. Enquanto uma mulher está sempre a viver sob ameaça, e desde muito cedo na vida. (…)
«A diferença, mãe, entre os homens e as mulheres é que os homens temem pela sua honra, enquanto as mulheres temem pela vida. O ridículo não mata, mas a violência, sim.»