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[Opinião] A Disciplina do Amor - Lygia Fagundes Telles


 


Título: A Disciplina do Amor

Série: -

Autor: Lygia Fagundes Telles

Data de Leitura: 03/04/2022 ⮞ 21/04/2022

Classificação: 


Sinopse

A obra traz textos (contos, reflexões curtas e notas cotidianas) fragmentários escritos à margem da vida, em que a realidade confina com as invenções da ficção e da memória afetiva.


Minha review no GoodReads


A Disciplina do Amor é uma espécie de diário, uma compilação de momentos de uma vida, alguns autobiográficos outros ficcionados.


Encontramos relatos de:


Viagens

Hotel Chein-Mein

Pe-King. Visitaremos amanhã a Cidade Proibida com seus gramados, quiosques e pavilhões de tetos arrebitados, os leitos de marfim e jade reservados às concubinas dos imperadores. Passaram os imperadores, passaram as concubinas, ficaram as escadarias de mármore e as colunas que contam histórias nos baixos-relevos. Em seguida, os visitantes irão a Shangai. Visitantes que voltam dizendo maravilhas ou dizendo horrores: ou são tomados do delírio bajulatório ou do ódio preconceituoso que já existia antes da viagem, na hora mesmo em que o convite era aceito. Serei justa na minha avaliação?


Memórias de infância

Hotel dos Viajantes

Volto à antiga cidadezinha da minha infância em busca dos meus fantasmas. Entro no velho Hotel dos Viajantes sem viajantes e sei que ninguém me conhece e eu não conheço mais ninguém. Depois da sopa de letrinhas, saio sem ser vista. Já é tarde e o Largo do Jardim está deserto na noite fria. Fecho o casaco e me sento num banco da praça. A igreja. O coreto. Olho as casas fazendo um círculo em redor do jardim e não sei mais qual delas teria sido a nossa casa: são parecidas na decadência e no escuro. Me levanto num susto: não era detrás daquela figueira que minha pajem Ana gostava de se esconder? Procuro o Beco das Cocadas. A casa da velha doceira desapareceu mas ficou o muro coberto de musgo.


Esboço para um romance

As Meninas

Sempre fomos o que os homens disseram que nós éramos. Agora somos nós que vamos dizer o que somos — declarou a personagem do meu romance As Meninas.


Memórias

Tenho um gato

Tudo passa sobre a Terra! estava escrito no romance que achei triste. Olhei para a outra Iracema que já fazia em silêncio a sua delicada toalete. Apanhei uma almofada e deixei-a assim próxima, Também você vai passar, Iracema?! perguntei em voz baixa. Não sabia ainda que ela permaneceria infinita na memória da minha finitude.


Provocações

A Garota da Boina

Mexendo em antigas pastas na tentativa de ordená-las, acabei encontrando o recorte de uma crônica publicada em 1944. É sobre um pequeno livro de contos que escrevi quando cursava a Faculdade de Direito. Diz o cronista: “Tem essa jovem páginas que apesar de escritas com pena adestrada, ficaria melhor se fossem da autoria de um barbado”.

Afetei certo desdém pela crônica mas fiquei felicíssima: escrever um texto que merecia vir da pena de um homem, era o máximo para a garota de boina de 1944. Eu trabalhava, estudava e escolhera dois ofícios nitidamente masculinos: uma feminista inconsciente mas feminista.


Feminismo

As frases Ideais

Enquanto não se superar a necessidade da empregada doméstica (como acontece nos países desenvolvidos) eu não acredito que possa haver um feminismo no Brasil.


Apontamentos

O Jardineiro

Só colhia as rosas ao anoitecer porque durante o sono elas não sentiam o aço frio da tesoura. Uma noite ele sonhou que cortava as hastes de manhã, em pleno sol, as rosas despertas e gritando e sangrando na altura do corte das cabeças decepadas. Quando ele acordou, viu que estava com as mãos sujas de sangue.


É um livro maravilhoso.



Progressão de leitura e citações


pág. 11 

E não obedeceria porque gato não obedece. Quando a ordem coincide com sua vontade, ele atende mas sem a humildade do cachorro, o gato não é humilde, ele traz viva a memória da liberdade sem coleira. Despreza o poder porque despreza a servidão. Nem servo de Deus. Nem servo do Diabo.


pág. 78 

Pequim é uma cidade reta, rígida um pouco como um quartel sem soldados (...) povo uniformizado, calça e túnica azul, boné. O corte rente do cabelo, esse corte é obrigatório por motivos de higiene, a população da antiga China estava perdida de piolhos. (...) muita bandagem em qualquer pequeno corte ou ferida, numa quase obsessão de desinfetar um povo que foi assolado por toda a sorte epidemias (...)


pág. 102 

Me lembro do tio dizendo à minha mãe que rompera o seu noivado porque ela era inteligente demais, culta demais, andava exausto com as elucubrações intelectuais, queria uma gueixa e não uma Minerva. (...)

Minha mãe riu, eu fiquei rindo junto mas um tanto preocupada, era uma adolescente com certos planos.


pág. 144 

Este é um jantar, foi em 43? Ou em 44? Não importa, Erico Veríssimo chega com uma capa de chuva, cachecol azul-marinho e chapéu desabado, faz tudo...

💜