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[Opinião] As mulheres do meu país - Maria Lamas

      



        

Título: As mulheres do meu país

Série: -

Autor: Maria Lamas

Data de Leitura: 21/08/2024 ⮞ 20/09/2024

Classificação: 


Sinopse

"Este livro é uma expressão de fraternal solidariedade com as mulheres do meu país, vitimas milenárias de erros milenários que, apesar de tudo, continuam a ser obreiras da vida.." Maria Lamas


Minha review no GoodReads

















Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas nasceu no dia 6 de outubro de 1893 em Torres Novas. Foi uma escritora, tradutora, jornalista e ativista política feminista portuguesa. Frequentou a escola primária do Conde Ferreira e completou os estudos no Colégio das Teresianas de Jesus Maria José, em Torres Novas, em regime de internato. Casou-se com 17 anos, com Teófilo José Pignolet Ribeiro da Fonseca, republicano e oficial da Escola Prática de Cavalaria de Torres Novas. Grávida acompanhou o marido, enviado em missão para trabalhar em Angola. Regressa a Portugal, novamente grávida e disposta a conseguir o divórcio e lutar pela tutela das suas filhas, vendo a sua imagem abalada, não só pelo divórcio e a emancipação da mulher serem um tabu na tradicionalista e conservadora sociedade portuguesa, mas por ter atacado verbalmente o seu marido em público. Em 1920 é-lhe concedido o divórcio, permitindo-lhe, casar com o jornalista e apoiante monárquico Alfredo da Cunha Lamas, com quem teve a terceira filha. Divorciou-se novamente em 1936, embora tenha ficado com o apelido Lamas. Escreveu para os jornais "O Século", "O Almonda", "A Joaninha", "A Voz", "A Capital" e o "Diário de Lisboa". Publicou poemas, crónicas, novelas, folhetins, textos para crianças, adolescentes e mulheres, sendo estes últimos de cariz interventivo e político sobre a reivindicação dos direitos das mulheres. Em 1928 dirige o suplemento "Modas & Bordados" do jornal "O Século". Por esta altura começou a luta pela dignificação e a emancipação da mulher, associando-se ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP). Inscreve-se na Associação Feminina para a Paz, e passa a assinar as suas obras como Maria Lamas, porque até aqui assinava com diversos pseudónimos. Um deles terá marcado as mulheres portuguesas do início do século XX, a "Tia Filomena", responsável pelas respostas do correio sentimental do "Modas & Bordados". Em 1945, tornou-se presidente da Direção do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, até ter sido proibida pelo governo, cessando a sua existência. Nos anos seguintes continuou a desenvolver uma atividade propagandista e ativista contra o Estado Novo, o que originou várias perseguições e detenções pela PIDE. Em 1962, viajou para Paris, passando a residir como exilada política. Com a Revolução de 25 de Abril de 1974, Maria Lamas, com 80 anos de idade foi agraciada e homenageada diversas vezes. Foi dirigente do Comité Português para a Paz e Cooperação; diretora honorária da revista "Modas & Bordados"; presidente honorária do Movimento Democrático de Mulheres (MDM); diretora da publicação "Mulheres"; filiou-se oficialmente no Partido Comunista Português; recebeu a Ordem da Liberdade, pelo Presidente da República, Ramalho Eanes, em 1980; foi homenageada pela Assembleia da República, em 1982 e recebeu a Medalha Eugénie Cotton, da Fédération Démocratique Internacionale dês Femmes, em 1983. Morreu a 6 de dezembro de 1983, com 90 anos de idade, em Lisboa.
Fonte: Arquivos RTP


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Maria Lamas viajou pelo país durante dois anos para documentar as condições de vida das mulheres portuguesas na primeira metade do século XX. Ainda não passaram 100 anos, e hoje podemos afirmar que, embora ainda haja muito trabalho a fazer, a evolução é, sem dúvida, enorme.
Este país construiu-se com as mulheres, e sem a sua força e resiliência já não existiríamos.
Que grande trabalho! Data venia Maria Lamas.

Esta obra é uma mistura de reportagem, estudo sociológico e retrato cultural, e dá voz a mulheres de diferentes classes sociais, desde as camponesas às operárias das cidades, e de várias regiões, do Norte ao Sul e Ilhas. Apresenta-nos uma visão das dificuldades enfrentadas por elas, que incluíam a pobreza, o trabalho extenuante e mal remunerado, a violência, e até a opressão por parte de uma sociedade machista e patriarcal.

Não podemos esquecer que esta obra foi publicada durante a ditadura do Estado Novo, num país conservador que promovia a ideia de que "elas governavam a casa, eles mandavam no mundo", e é um tiro certeiro no porta-aviões. Embora existissem variações regionais, as mulheres por todo o país enfrentavam desafios semelhantes: trabalho árduo, baixos salários, falta de educação e acesso limitado a direitos básicos como saúde e habitação. A luta era comum, tal como a resiliência e força dessas mulheres, que, apesar das dificuldades, continuavam a desempenhar papéis cruciais nas suas famílias e comunidades. Para além de uma crítica social, é, acima de tudo, uma denúncia social que sublinha a necessidade de mudança e da emancipação feminina.

As Mulheres do Meu País mostra também o desejo das mulheres mais jovens por uma vida melhor, mesmo quando esse desejo era de difícil concretização devido às condições em que se encontravam. É um livro duro, mas cheio de esperança numa mudança possível através do acesso à educação e da transformação social.

Originalmente, As Mulheres do Meu País foi publicado em 15 fascículos mensais.



Foi reeditado pela Caminho, salvo erro, em 2003, num volume único com 3,356 kg e um formato muito pouco prático para uma leitura confortável. Na verdade, para uma leitura mais confortável, quase seria necessário um estirador de desenho! Algo que nos permitisse apoiar o livro e folheá-lo sem o risco de um incidente ortopédico. Brincadeiras à parte, uma obra de tal relevância social e histórica merecia uma abordagem editorial mais prática. A opção de editar o livro em fascículos teria, no mínimo, poupado os nossos pulsos e facilitado uma leitura mais cómoda.

Na loja do jornal Público este livro está à venda em fascículos num valor superior a 200€ ou completo por 189,50€.

A Fundação Calouste Gulbenkian promoveu uma exposição entre 26 de Janeiro e 28 de Maio de 2024 chamada As Mulheres de Maria Lamas.








Progressão de leitura e citações:


pág. 12 
"Dizer no coração do Minho é evocar a mulher minhota, porque ali, nessas terras onde o homem emigra sistemàticamente, é a mulher, a camponesa, quem trabalha, luta e suporta, sòzinha, como em nenhuma outra região de Portugal, ou mesmo como em nenhuma parte do Mundo, o seu sacrificado destino.

pág. 23 
"Num lugar ínfimo, como nas cidades, as mulheres do Minho, ainda as mais pobres, usam brincos de oiro, e sentem-se humilhadas se possuem só um par. Mesmo as que pedem esmola, ostentam esse luxo, como se fizesse parte delas próprias. Possuir um anel, uma aliança, é a primeira aspiração das raparigas, e não descansam enquanto a não vêem realizada. Uma não basta: logo querem outra."


pág. 24 
"[em Merufe]
São raras as mulheres de dentes bonitos e limpos, como são raras as cabeças bem cuidadas. Isto torna maior, quase chocante, o contraste do oiro, no sorriso sem frescura."

pág. 39 
"De qualquer forma, uma realidade subsiste: o trabalho rudíssimo da mulher, a sua responsabilidade total no amanho das leiras, no agenciar do pão e na criação dos filhos, enquanto o marido está ausente. Isto sob o ponto de vista material e moral.
No que diz respeito à parte afectiva, aos problemas íntimos e fisiológicos, à angústia do isolamento durante anos e anos de luta, sob o peso de todos os trabalhos, de todas as agruras, a vida da camponesa tem aspectos verdadeiramente dramáticos e até desumanos."


pág. 47 
"[em Barroso]
As crianças que vão à escola ficam apenas a ler, escrever e contar, como o pode fazer quem não passa do primeiro exame, ou seja, a terceira classe. Regra geral: depois de deixarem as aulas, as raparigas nunca mais lêem ou escrevem, a não ser correspondência com os homens que emigram."

pág. 76 
"A percentagem de camponesas que se empregam na construção civil, dando serventia, e na construção e reparação de estradas, é importantíssima. (...) Sempre que a agricultura lhes deixa os braços livres (...) lá vão transportar tijolos ou carregos de areia, britar pedra, fazer escavações e aterros, ao lado dos homens, com o mesmo horário e responsabilidade, mas ganhando apenas dois terços do que eles recebem."

pág. 94 
"A linguagem dos camponeses minhotos é defeituosíssima e tem uma entonação que a torna inconfundível. As mulheres são extraordinàriamente faladoras, pisando e repisando os assuntos, que reflectem o acanhamento do seu espírito e os seus hábitos de maledicência. A vida alheia é o tema preferido. Quando se juntam, no adro ou na venda, encontram sempre maneiras de criticar esta e aquela (...)"

pág. 107 
"Para lá do Marão
A diferença da paisagem entre o Minho e Trás-os-Montes é tão vincada que dispensa letreiros indicativos dos seus limites. Essa diferença vê-se e sente-se, seja qual for o itinerário seguido na paisagem de uma para outra província."

pág. 114 
"A camponesa de Trás-os-Montes, que afronta a solidão das serras, quando os nevões atingem mais de um metro de altura e os lobos, esfomeados, saem aos caminhos, atirando-se indiferentemente a racionais e irracionais, procede, nas contingências da sua vida particular, como se fosse escrava do marido. Se uma fera a atacar, defender-se-á valentemente. Mas receberá sem reagir as sovas que o seu homem lhe der (...)"

pág. 128 
"NAS RIBAS DO ALTO DOURO
O homem emigra pouco. Nas épocas de penúria, ligadas à incerteza da cultura vinhateira e às condições em que ela é feita, as dificuldades da vida tornam-se insuperáveis e, então, é ainda a mulher quem sofre o maior peso, multiplicando os seus desesperados esforços para manter os filhos e até o próprio marido."

pág. 146 
"NO DOURO LITORAL
O tipo físico da mulher duriense varia, predominando em muitos sítios os cabelos alourados e os olhos claros, como, por exemplo, no concelho de Penafiel.
De uma forma geral, a jovem duriense é de aparência frágil. Não abundam os rostos formosos; no entanto, a juventude tem o seu encanto natural, a que não falta, aqui, a esbelteza da figurinha delgada e ágil."

pág. 149 
"As «cascatas», «festas de sala» e de igreja são, como as feiras, o ponto de reunião da gente casadoira. Pelo Carnaval e pela Páscoa realizam-se, nalguns pontos, feiras especiais para arranjar namoro. Ali vão as raparigas, que se colocam em determinado sítio, enquanto os rapazes vão desfilando e conversando cinco minutos (tempo rigoroso) com cada uma, para depois fazerem, uns e outros, a sua escolha.

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pág. 191 
"A mulher do campo, em toda a região banhada pela ria [Aveiro] ou atravessada pelos esteiros, difere, como já dissemos, no tipo e na índole da outra camponesa, mais de terra adentro. Há, por estes sítios, muitas mulheres belas e de porte esbelto. Os tipos loiros são frequentes e, mesmo quando a tez é morena e o cabelo castanho os olhos claros é que predominam."

pág. 228 
"Alentejo
Na província alentejana tudo assume proporções vastas: as grandes lavouras, as grandes riquezas, as grandes distâncias...A camponesa tem, por isso, ali uma feição diferente.
(...)
De qualquer forma, porém, o seu viver tem, de uma forma geral, outras normas, menos rudes que as das suas irmãs nortenhas (...)
Assim, na generalidade, a camponesa alentejana trabalha menos duramente (...)"

pág. 231 
"Comparando as habitações dos camponeses alentejanos com os casebres que predominam no Alto Minho, Trás-os-Montes, Douro e Beira, nota-se um contraste absoluto entre o asseio e arranjo das primeiras e o desconforto, a miséria dos segundos."


pág. 243 
"Uma indústria importantíssima de Reguengos é o fabrico das lindas e já famosas mantas coloridas tão apreciadas no País e no estrangeiro. Porém, o trabalho de tecelagem é feito exclusivamente por homens."

pág. 264 
"Na região algarvia
De uma forma geral, as camponesas algarvias, apesar de ignorantes e com um nível de vida baixíssimo, estão, ainda assim, mais familiarizadas com certos aspectos da vida moderna que as camponesas do Norte."

pág. 269 
"Mais do que em qualquer outra província, há, no Algarve, uma tendência natural para o maravilhoso. Dir-se-ia que as lendas, as histórias de encantos e aparições andam espalhadas no próprio ar que se respira. Tudo isso, conjuntamente com o clima, a luz, a vizinhança do mar e certas condições de vida, influi poderosamente na psicologia e na força instintiva da mulher algarvia (...)"

pág. 276 
"Estremadura
(...) em tda a região estremenha, o tipo mais característico de camponesa, é justamente nas proximidades de Lisboa q o vamos encontrar. Nem as idas frequentes à capital, nem o convívio c/ a população citadina, nem o alargamento constante das zonas de turismo e a construção de vivendas modernas (...) fizeram desaparecer ainda o tipo característico da aldeã dos termos de Sintra, Mafra, Loures e Malveira."

pág. 285 
"É costume casar cedo(...)O namoro tem as suas praxes(...)
Falar em namoro (...) é evocar o famoso «muro do derrete»
Antes de se dirigir à moça, o rapaz fica algum tempo a olhar para ela, embasbacado, até que se resolve a fazer o sinal convencional de pedido de namoro: a piscadela de olho. Por sua vez, a rapariga, se está disposta a aceitar, responde-lhe com um movimento afirmativo de cabeça. Está iniciado o idílio."

pág. 307 
"No arquipélago da Madeira
Profundamente religiosa, a mulher do campo, na Madeira, é, nalguns sítios, fanáticas, mas, na maioria, mistura a sua fé católica com as mais absurdas superstições e até manifestações impregnadas de paganismo. O que predomina, todavia, numas e noutras, é um espírito de subserviência, perante as pessoas das classes mais elevadas (...)"

pág. 329 
"A mulher do mar

A-Ver-o-Mar
(...) nos dias de bonança, as mulheres vão à pesca sòzinhas, em pequenos barcos.

Póvoa de Varzim
(...) elas vestindo de escuro, como qualquer mulher pobre (...) eles exibindo as grossas camisolas de lã branca, caprichosamente bordadas a cores (..)"

pág. 334 
"Nazaré
No entanto, a nazarena, mulher de pescador, por mais activa que seja, vive sempre um pouco à toa, sem método no trabalho. Gosta de passar longas horas em ociosidade, sentada no areal em ociosidade (...) Outra maneira de "matar o tempo", numa espécie de apatia, é catarem-se umas às outras, sentadas à porta da rua."

pág. 341 
"Olhão
São mais decididas que os homens, as mulheres dos pescadores de Olhão. É vulgar, na praia, quando se discute ou faz negócio de peixe, a mulher puxar o homem pelo braço e dizer-lhe, sem rodeios:
— Sai daqui! Quem fala sou eu!
E o homem afastar-se, submisso, enquanto ela discute, argumenta e faz valer as suas razões."

pág. 361 
"Porém, uma certeza prevalece: a mulher do mar, como a camponesa, tem, no nosso país, uma existência de nível baixíssimo, limitada a responsabilidades, encargos e sacrifícios. Conseguir viver — eis a batalha diária. Tudo o mais não tem sentido para elas, se o pão falta. (...) Quanto ao espírito atrofiado e deformado pela ignorância e pelas mais absurdas crendices, mantém-se, em pleno séc. XX, no mesmo obscurantismo(...)"

pág. 368 
"A Operária
A mulher é preferida nas fábricas porque, depois de adquirir a prática necessária, trabalha o mesmo que o homem e ganha muito menos que ele."

pág. 378 
"No Porto principiam a admitir mulheres como mecânicas e pintoras de automóveis nas oficinas da especialidade. Para executar o seu trabalho elas envergam o "macaco" de operário, o que lhes dá um ar sóbrio, honesto e ao mesmo tempo cuidado."

pág. 393 
"Um emprego feminino de grande responsabilidade, apesar de obscuro, é o das guardas de passagem de nível, ao longo da via férrea, de Norte a Sul do País. É importantíssima a missão dessas mulheres, que são forçadas a estar vigilantes durante toda a noite e a quem compete garantir a segurança de milhares de vidas humanas."

pág. 448 
"Pode afirmar-se que a mulher portuguesa, por atavismo e por educação, é essencialmente doméstica. Como já dissemos, mesmo quando faz um curso superior e exerce qualquer profissão, ela continua quase sempre a ter, perante os problemas da vida nacional e mundial, o mesmo desinteresse das outras que nunca ultrapassaram os limites da vida familiar."

pág. 464 
"A prostituição, em Portugal, é legal e está regulamentada, sendo muito elevado o número de mulheres e jovens que estão inscritas como meretrizes."