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[Opinião] A Gorda - Isabela Figueiredo

         


        

Título: A Gorda

Série: -

Autor: Isabela Figueiredo

Data de Leitura: 17/08/2024 ⮞ 25/08/2024

Classificação: 


Sinopse

Maria Luísa, a heroína deste romance, é uma bela rapariga, inteligente, boa aluna, voluntariosa e com uma forte personalidade. Mas é gorda. E isto, esta característica física, incomoda-a de tal modo que coloca tudo o resto em causa. Na adolescência sofre, e aguenta em silêncio, as piadas e os insultos dos colegas, fica esquecida, ao lado da mais feia das suas colegas, no baile dos finalistas do colégio. Mas não desiste, não se verga, e vai em frente, gorda, à procura de uma vida que valha a pena viver. Este é um dos melhores livros que se escreveu em Portugal nos últimos anos.


Minha review no GoodReads

4,5 ⭐️

Logo desde o princípio o livro estabelece o profundo impacto que o peso tem na vida da protagonista.

Quarenta quilos é muito peso. Foram os que perdi após a gastrectomia: era um segundo corpo que transportava comigo. Ou seja, que arrastava. Foi como se os médicos me tivessem separado de um gémeo siamês que se suicidara de desgosto e me dissessem, no final, «fizemos o nosso trabalho, faça agora o seu e aguente-se. Aprenda a viver sozinha».

Mas o livro não se resume a isso.

Mergulhamos nos pensamentos mais íntimos de Maria Luísa. A sua história percorre a infância e a adolescência até à vida adulta, quando os estigmas começam a moldar as suas relações familiares, amorosas e sociais. Ao longo desse percurso, depara-se com memórias dolorosas, vergonha e olhares de reprovação, mas também com momentos de revolta e aceitação, criando uma relação ambivalente com o seu próprio corpo.


Eu era gorda, com alta miopia, barriga e mamas a sério. Eu era a subalterna. A boa e inteligente serviçal feia.


(…) a mamã cuidou do meu cabelo, lavou-me, vestiu-me, calçou-me, alimentou-me, repreendeu-me e censurou-me por «engordar muito», por «estar cada vez mais gorda».
«É que se não emagreces acabas como o teu pai», avisava.

Maria Luísa vive num conflito constante entre o desejo de ser amada e respeitada tal como é e a pressão para se conformar aos padrões de beleza e normalidade estabelecidos pela sociedade. Este dilema reflecte-se nas suas relações amorosas. Embora procure amor e afecto, é frequentemente confrontada com a discriminação e a rejeição que os homens demonstram em relação ao seu corpo.

«Não vás a minha casa. Os meus amigos gozam-me por tua causa.» E eu não ia. O meu corpo não servia ao David nem a ninguém. Não valia a pena ter ilusões sobre a forma como tudo o que nasce sobre a terra merece digno destino. Se eu não servia para o David não serviria para ninguém nesta vida. E se o meu corpo não servia, nada mais do que eu era poderia aproveitar-se, nem eu o permitiria; portanto restava afastar-me do que me repelia.
Tornei-me dura com ele. Implacável. Feria-o a cada oportunidade. Perguntava-lhe, «vens com a gorda ou preferes ir com pessoas normais?». Dizia-lhe, «vai andando; eu sigo atrás de ti para não sentires a vergonha de andar com uma gorda ao lado. Faz de conta que não nos conhecemos».

A sua obesidade torna-se uma barreira não só física, mas também emocional. Afasta-a das pessoas. A dor e a frustração que sente em relação à maneira como é vista levam-na a momentos de isolamento e melancolia. Ao longo da história, o peso de Maria Luísa não é apenas corporal, mas também emocional, carregado de memórias, expectativas falhadas e desilusões.

A escrita de Isabela Figueiredo é franca, directa, crua e sem eufemismos e parece-me intenção da autora romper com os filtros e as convenções sociais que muitas vezes suavizam ou escondem as realidades desconfortáveis da vida, especialmente no que toca a temas como o corpo, a obesidade e a identidade feminina. Constrói uma figura complexa que, apesar de todas as adversidades, continua a lutar por um lugar onde possa ser reconhecida e amada pelo que realmente é.