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[Opinião] O caderno proibido - Alba de Céspedes

 


     

Título: O Caderno Proibido

Série: -

Autor: Alba de Céspedes

Data de Leitura: 06/06/2024 ⮞ 15/06/2024

Classificação: 


Sinopse

Subversiva, feminista, Alba de Céspedes abalou os alicerces da literatura na Europa do pós-guerra e abriu, com O caderno proibido, uma janela para a lá fora, o mundo reconstrói-se; dentro de portas, a vida doméstica de uma mulher comum sofre uma implosão, quando ela decide começar um diário.



Minha review no GoodReads


Publicado em 1952, Caderno Proibido é um romance que se foca na vida de Valeria Cossati, uma mulher de classe média, com 43 anos, mãe de dois filhos já adultos, Mirella e Riccardo, que frequentam a universidade, e esposa de Michele, um funcionário bancário. Valeria também trabalha para contribuir para a economia familiar e é automaticamente vista com compaixão pelas amigas burguesas e snobs, que podem dar-se ao luxo de passar as tardes a falar sobre moda enquanto tomam chá. O que Virginia Woolf reivindicava como uma condição para a liberdade da mulher, ou seja, ter controlo sobre o dinheiro, para Valeria é na verdade quase um estigma social.
O cansaço é um traço que emerge desde o início do romance:

O reconhecimento do meu cansaço exime-os de qualquer responsabilidade. Por isso me repetem frequentemente, com severidade: «Devias descansar», como se não o fizesse por capricho.
Valeria sacrificou os seus próprios interesses para cuidar da família. Achou que estava satisfeita, ou pelo menos convenceu-se disso, usando a desculpa de que após a Segunda Guerra Mundial nada é mais como antes e não é mais possível viver como a sua mãe, uma clássica representante da nobreza decadente, que se mantém afastada do trabalho manual.

A história começa quando Valeria, de forma impulsiva, compra um caderno negro numa tabacaria, sabendo que deveria estar a comprar cigarros para o seu marido:

Dê-me também um caderno», disse eu, revolvendo a bolsa à procura de mais dinheiro. Mas, quando ergui os olhos, vi que o vendedor tinha assumido uma expressão severa para me dizer: «Não se pode, é proibido.» Explicou-me que um polícia se punha de guarda à porta, todos os domingos, para que só se vendesse ali tabaco, e nada mais. Eu tinha ficado sozinha na loja. «Preciso de um», disse-lhe, «preciso mesmo de um.» Falava baixinho, agitada, estava disposta a insistir, a suplicar. Então, ele olhou em volta e, em seguida, pegou rapidamente num caderno e estendeu-mo sobre o balcão, dizendo: «Ponha-o debaixo do casaco.»

Este acto simples dá início a uma série de introspecções e revelações sobre a sua vida, casamento e papel na sociedade. Escrever no caderno é um acto de rebelião silenciosa. É perigoso, porque se alguém o descobrisse tudo mudaria, mas Valeria não consegue parar, precisa dessa liberdade secreta:

(...) quando escrevo neste caderno, sinto que estou a cometer um grave pecado, um sacrilégio: parece-me que estou a conversar com o diabo.

É através da escrita que confronta os seus sentimentos de frustração, revelando um desejo profundo por autonomia e uma vida além das responsabilidades domésticas. Este caderno, que ela deve esconder da família, simboliza a sua busca por identidade e liberdade num contexto social opressivo:

Em casa, não sei porquê, tenho sempre vontade de pedir desculpa.

É uma forma de descobrir o que realmente pensa e sente. Cada palavra que coloca no caderno é uma revelação, uma janela aberta para a sua verdadeira essência. Escrever torna-se catártico.

Parece-me que uma mulher tem sempre de pertencer a alguém para ser feliz.

Michele, o marido, é um homem tradicional que não reconhece os desejos e necessidades de Valeria, exemplificando as expectativas patriarcais da época. A relação deles é marcada pela falta de comunicação e compreensão:

(...) talvez porque nunca mais falámos como quando namorávamos, só de nós, daquilo que acontecia no nosso íntimo.

Com Michele vendo Valeria apenas como a dona de casa diligente e mãe, incapaz de imaginar que dentro dela há um tumulto de emoções e pensamentos:

(...) mas o que sinto quando estou com Michele é uma felicidade gélida, (…)e os gestos que tenho para com Michele, pelo contrário, são apenas afeto, ou solidariedade, ou hábito, nem sequer aqueles mais íntimos e raros são amor: piedade, antes, compaixão pelas fraquezas humanas.
Os filhos, Mirella e Riccardo, absorvidos nas suas próprias vidas, representam a nova geração que, embora ainda influenciada pelos valores tradicionais, começa a desafiar algumas normas:

Eu nunca compreendi Mirella, enquanto compreendo sempre Riccardo. Por vezes, penso que, se não fosse minha filha, ser-me-ia difícil gostar dela. Não se contenta só com deixar-se viver, com ser amada, como eu fazia na sua idade. Talvez seja pelo facto de os estudos serem muito diferentes, então, para as raparigas. Eu nunca teria pensado em ser advogada: estudava ­Literatura, Música, História da Arte. Faziam-me conhecer só o que é belo e doce, na vida. Mirella estuda Medicina Legal. Sabe tudo.

Alba de Céspedes tem uma escrita penetrante, introspectiva e carregada de sensibilidade. Os temas tão actuais, como emancipação feminina, o conflito entre o desejo individual e as expectativas sociais, e a luta pela auto descoberta fazem deste livro um clássico. 

Caderno Proibido, mais de setenta anos após a sua publicação, continua a provocar inquietação e perturbação. 
Quantas Valerias existirão por aí? 
Quantas Valerias não conseguirão soltar-se das amarras?

Agora, pergunto a mim mesma onde terei sido mais sincera, se nestas páginas, se nas acções que realizei, aquelas que deixarão de mim uma imagem, como um belo retrato.