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[Opinião] Correio da Roça - Júlia Lopes de Almeida

 


Título: Correio da Roça

Série: -

Autor: Júlia Lopes de Almeida

Data de Leitura: 02/01/2024 ⮞ 05/01/2024

Classificação: 


Sinopse

Correio da Roça é um romance epistolar escrito por Julia Lopes de Almeida. Publicado inicialmente como folhetim, o romance virou livro em 1913 e foi muito bem recebido pelos leitores.

Na história quase singela, mas repleta de significados, Maria, viúva e mãe de quatro filhas mulheres, vê-se diante de uma situação financeira desfavorável após vender a maioria de seus bens para saldar as dividas deixadas pelo falecido marido. Restando-lhes como moradia somente uma fazenda e um pequeno sítio as cinco mulheres, educadas para a vida nas grandes cidades, não veem outra solução se não a mudança para o recanto bucólico que parece a elas, a primeira vista, ser o fim do mundo, até que começam a se corresponder com uma amiga da cidade que, em suas cartas, incentiva-as usar a educação que tiveram na cidade em benefício da vida no campo e passa a enviar sugestões para que busquem, em sua nova vida, estímulos para reerguerem a sua fortuna.

De forma primorosa e delicada a autora mostra ao leitor, a importância da valorização dos trabalhadores do campo, e a importância da educação, saúde e infraestrutura para o desenvolvimento.

Esta edição tem a ortografia atualizada e conta com notas explicativas, para termos e palavras fora de uso.


Minha review no GoodReads


Júlia Lopes de Almeida nasceu em 1862, no Rio de Janeiro, filha dos emigrantes portugueses Adelina Pereira Lopes, musicista, e Valentim José da Silveira (Visconde de São Valentim), médico. A família pertencia à classe alta, o que proporcionou uma excelente educação à promissora escritora.

O pai de Júlia descobriu a vocação da filha, e incentivou-a a que escrevesse um artigo para a Gazeta de Campinas. E foi assim que tudo teve início. Júlia foi uma escritora com uma vasta produção literária conseguindo, à época, viver dos rendimentos da sua profissão.
Era uma mulher muito à frente do seu tempo, era republicana, defendia a educação feminina, o divórcio e a abolição da escravatura.


... Os povos mais fortes, mais práticos, mais ativos, e mais felizes são aqueles onde a mulher não figura como mero objeto de ornamento; em que são guiadas para as vicissitudes da vida com uma profissão que as ampare num dia de luta, e uma boa dose de noções e conhecimentos sólidos que lhe aperfeiçoem as qualidades morais. Uma mãe instruída, disciplinada, bem conhecedora dos seus deveres, marcará, funda, indestrutivelmente, no espírito do seu filho, o sentimento da ordem, do estudo e do trabalho, de que tanto carecemos.
- Júlia Lopes de Almeida, em A Mensageira

Júlia Lopes de Almeida teve uma vida intelectual bastante activa, fez parte do grupo de intelectuais que criaram a Academia Brasileira de Letras, mas o seu nome não foi incluído. Era mulher - a ABL era um clube do Bolinha – e em vez dela foi considerado o nome do marido, Filinto de Almeida – Cadeira 3, sem produção literária de destaque.
Após a sua morte, em 1934, Júlia Lopes de Almeida foi caindo no esquecimento, mas o seu regresso aos escaparates das livrarias deveu-se à leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp.

Aos mais desatentos (onde me incluo) há em Lisboa um busto da escritora, ali no Jardim Gomes de Amorim.


O monumento, obra de Margarida Lopes de Almeida, composto de busto em bronze sobre pedestal de pedra, foi oferecido pelas mulheres brasileiras às mulheres portuguesas. O busto, executado em 1939, só viria a ser inaugurado, no Jardim Gomes de Amorim, localizado na Praceta da Av. António José de Almeida, em 28 de Março de 1953.


****

Correio da Roça é um romance epistolar composto por 58 cartas, entre postais e cartas propriamente ditas. Temos as cartas de Maria e Fernanda, as cartas das filhas de Maria, Joanninha, Cecília, Cordélia e Clara, e por último os escritos de Eduardo Jorge (afilhado de Maria) e Cesário.

É nas cartas entre Maria e Fernanda que temos o fio condutor desta história. Maria, uma viúva que, devido à morte do marido e às dívidas deixadas por ele, é obrigada a abandonar sua residência na Capital e mudar-se com as suas quatro filhas para uma antiga propriedade rural, a fazenda Remanso. Inicialmente, insatisfeitas com a vida no campo, elas sentem saudade da cidade.

Nas cartas que escreve a Fernanda, Maria relata as dificuldades.

Não calculas o horror desta solidão e destes povos dos arredores. Às terras do Remanso, que é, como te deves lembrar, o nome da fazenda, está agora adicionado o sítio da Tapera, herança de meu pai, que por sua vez também o tinha de há muito abandonado. Aqui vivemos sem humilhação, é verdade, mas com uma enorme tristeza e curtos haveres. Minhas filhas, coitadas, passam o dia bocejando e desaprendendo o que estudaram no colégio.
(…)
(…) valeria a pena, para chegar a esse resultado, ter eu gastado tanto dinheiro com a sua educação e ter sofrido uma separação tão longa durante todo o tempo em que estiveram de pensionistas no colégio? Para se plantar batatas e criarem-se aves domésticas não é absolutamente necessário aprender-se francês, inglês, piano e desenho…

Fernanda responde encorajando Maria a transformar a fazenda, com a ajuda das filhas, num lugar agradável e produtivo.

As batatas nacionais, sobretudo as que no nosso mercado têm a denominação de batatas rim, são incomparavelmente superiores a quaisquer das outras estrangeiras que importamos de França ou de Portugal, da Nova Zelândia ou do Chile.

Com vagar te relatarei mais tarde as minhas impressões; entretanto, do que vi posso desde já informar-te de que deverás manter em compartimentos separados as galinhas de raças diferentes; que é bom juntar à sua alimentação de milho, a aveia e o triguilho, assim como é útil, para a higiene do galinheiro, revolver de vez em quando a terra do chão, misturando-lhe cal.

Sob a influência dos conselhos, Maria e as filhas implementam mudanças significativas na fazenda Remanso e na propriedade contígua, a Tapera. Elas iniciam a criação de galinhas, cultivam jardins e pomares, melhoram a vida dos colonos, alfabetizam crianças e organizam um pequeno hospital.

No fim do romance, as fazendas tornam-se locais alegres, vivos, com terras produtivas e vegetação abundante.

Através desta história JLA volta a falar de temas importantes, como a educação, o progresso feminino, o trabalho justo, e o papel da mulher na sociedade.

Já tinha gostado de A Falência – 3 ⭐️ e de A Viúva Simões – 4 ⭐️, mas achei este superior.