Título: A Falência
Série: -
Autor: Júlia Lopes de Almeida
Data de Leitura: 02/08/2023 ⮞ 08/01/2023
Classificação: ⭐⭐⭐
Sinopse
«Aquela conquista de fortuna, feita de relance, perturbava-o, desmerecia o brilho das suas riquezas, ajuntadas dia a dia na canseira do trabalho. A vida tem ironias: teria ele sido um tolo?
Talvez, e para se certificar reviu a sua vida no Rio, desde simples caixeiro, quase analfabeto, com a cabeça raspada, a jaqueta ruça e os sapatões barulhentos.
Tinha ainda fresco na memória o dia do desembarque — estava um calor! — e de como depois rolara aos pontapés, malvestido, mal alimentado, com saudades da broa negra, das sovas da mãe e das caçadas aos grilos pelas charnecas do seu lugar.
Pouco a pouco outros grilos cantaram aos seus ouvidos de ambicioso. O som do dinheiro é música; viera para o ganhar, atirou-se ao seu destino, tolerando todas as opressões, dobrando-se a todas as exigências brutais, numa resignação de cachorro.
Assim correram anos, dormindo em esteiras infectas, molhando de lágrimas o travesseiro sem fronha, até que o seu mealheiro se foi enchendo, enchendo avaramente.
Aquela infância de degredo era agora o seu triunfo. Vinha de longe a sua paixão pelo dinheiro; levado por ela, não conhecera outra na mocidade. Todo o seu tempo, toda a sua vida tinham sido consagrados ao negócio. O negócio era o seu sonho de noite, a sua esperança de dia, o ideal a que atirava a sua alma de adolescente e de moço.
Não podia explicar, como, só pelo atrito com pessoas mais cultivadas, ele fora perdendo, aos poucos, a grossa ignorância de que viera adornado. A letra desenvolveu-se, tornou-se firme, e a sua tendência para contas fez prodígios, aguçada com o sentido na verificação de lucros. Relendo cifras, escrevendo cartas, formulando projetos, e observando atentamente o seu trabalho e o alheio, tornara-se um negociante conhecedor do que tinha sob as mãos, e um homem limpo, a quem a sociedade recebia bem.
Não pudera ser menino, não soubera ser moço, dera-se todo à deusa da fortuna, sem perceber que lhe sacrificava a melhor parte da vida. Para ele, o Brasil era o balcão, era o armazém atulhado, onde o esforço de cada indivíduo tem o seu prêmio.
Fora do comércio não havia nada que lhe merecesse o desvio de um olhar… Tempos de amargura e de esperança, aqueles!»
Minha review no GoodReads
Júlia Lopes de Almeida nasceu em 1862, no Rio de Janeiro, filha dos emigrantes portugueses Adelina Pereira Lopes, musicista, e Valentim José da Silveira (Visconde de São Valentim), médico. A família pertencia à classe alta, o que proporcionou uma excelente educação à promissora escritora.
O pai de Júlia descobriu a vocação da filha, e incentivou-a a que escrevesse um artigo para a Gazeta de Campinas. E foi assim que tudo teve início. Júlia foi uma escritora com uma vasta produção literária conseguindo, à época, viver dos rendimentos da sua profissão.
Era uma mulher muito à frente do seu tempo, era republicana, defendia a educação feminina, o divórcio e a abolição da escravatura.
... Os povos mais fortes, mais práticos, mais ativos, e mais felizes são aqueles onde a mulher não figura como mero objeto de ornamento; em que são guiadas para as vicissitudes da vida com uma profissão que as ampare num dia de luta, e uma boa dose de noções e conhecimentos sólidos que lhe aperfeiçoem as qualidades morais. Uma mãe instruída, disciplinada, bem conhecedora dos seus deveres, marcará, funda, indestrutivelmente, no espírito do seu filho, o sentimento da ordem, do estudo e do trabalho, de que tanto carecemos.
- Júlia Lopes de Almeida, em A Mensageira
Júlia Lopes de Almeida teve uma vida intelectual bastante activa, fez parte do grupo de intelectuais que criaram a Academia Brasileira de Letras, mas o seu nome não foi incluído. Era mulher - a ABL era um clube do Bolinha – e em vez dela foi considerado o nome do marido, Filinto de Almeida – Cadeira 3, sem produção literária de destaque.
Após a sua morte, em 1934, Júlia Lopes de Almeida foi caindo no esquecimento, mas o seu regresso aos escaparates das livrarias deveu-se à leitura obrigatória para o vestibular da Unicamp.
Aos mais desatentos (onde me incluo) há em Lisboa um busto da escritora, ali no Jardim Gomes de Amorim.
O monumento, obra de Margarida Lopes de Almeida, composto de busto em bronze sobre pedestal de pedra, foi oferecido pelas mulheres brasileiras às mulheres portuguesas. O busto, executado em 1939, só viria a ser inaugurado, no Jardim Gomes de Amorim, localizado na Praceta da Av. António José de Almeida, em 28 de Março de 1953.
São várias falências
O livro conta a história de Francisco Teodoro, um português, proprietário de um armazém de café, que enriqueceu com o comércio do café, e a esposa Camila, uma mulher de origem pobre, que arranja o casamento como forma de sair da situação que vivia com a família.
Teodoro e Camila tiveram quatro filhos: Ruth, Lia, Raquel e Mário. Junto com a família vive Nina, uma sobrinha de Camila, que assume algumas tarefas na casa e, inevitávelmente, apaixona-se pelo primo Mário, um boémio que se aproveita da mordomia de ter uma família com posses. Noca, uma ex-escrava, é a empregada que faz tudo na casa da família.
Uma das visitas assíduas é o Dr. Gervásio, que Teodoro já considera “de casa”, sem perceber que além da amizade, o médico tem um caso com a mulher.
A falência da família acontece quando Teodoro é seduzido a investir na bolsa de valores, e devido à queda do valor do café, perde toda a sua fortuna. É a falência económica.
Mas há outras falências nesta história, a social, a familiar a ética e a moral. Uma história interessante que aborda muitos assuntos, alguns continuam na ordem do dia.
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