Título: Ernestina
Série: -
Autor: J. Rentes de Carvalho
Data de Leitura: 03/11/2023 ⮞ 10/11/2023
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Ernestina é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de famílias ficcionadas. É um fresco de Trás-os-Montes, dos anos 1930 aos anos 1950, um romance que transcende o relato regionalista e que transpôs fronteiras, transformando-se num fenómeno editorial na Holanda.
Ernestina é também o nome da mãe do autor e da intrépida protagonista deste livro. Sobre ela J. Rentes de Carvalho disse: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi uma de tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos os laços que a ela me prendem.»
Minha review no GoodReads
Mãe de um só filho, a sua vida, que foi de uma tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos os laços que a ela me prendem.
J. Rentes de Carvalho
Autobiografia ficcionada, um volume de memórias de família e um retrato do Portugal profundo, lá para os lados de Trás-Os-Montes, da primeira metade do século XX.
Rentes de Carvalho escreve muitíssimo bem e as descrições são maravilhosas.
Passámos o Pinhão e o Tua, dois infernos àquela hora. Mais adiante outro longo túnel, descobrindo-se ao fim dele, no rio, o Cachão da Valeira, lugar de tantas mortes e naufrágios que as pessoas ao avistá-lo fizeram o sinal da cruz.
Tão devagar avançava agora o comboio que nem sequer se ouvia o matraquear ritmado das rodas nos carris. Excitado, vi aproximar-se a ponte da Ferradosa, para mim lugar mágico e espécie de fronteira, porque não somente se atravessava o rio, mas desde os primeiros anos me tinha convencido que do meio dela se avistava a nossa aldeia. Ilusão que meu pai, por cansaço, não refutava, e que eu criara um dia, ao ver dali um monte que me pareceu familiar.
Pouco a pouco a paisagem ia-se tornando mais erma, mais solene, grandes aves negras descreviam curvas lentas contra o azul do céu, nas encostas aparecia por vezes um burro solitário atado a uma oliveira.
Faltavam muitas horas para chegarmos ao nosso destino, mas não sei porquê sempre ressentia ali uma estranha mudança, como se o simples atravessar do rio augurasse a proximidade dum paraíso. Se bem que desconhecida, a razão deve ter sido funda, porque quando lá passo hoje, aquele ar, o chão, as cores, o arvoredo, fazem ainda ecoar dentro de mim a mesma felicidade e euforia.