Thomas Mann, filho de pai alemão e mãe brasileira, nasceu na cidade livre de Lübeck, hoje pertencente aos estados alemães de Schleswig-Holstein e Mecklemburgo - Pomerânia Ocidental.
A inspiração para escrever A Montanha Mágica veio do internamento da sua esposa Katia Mann, em Waldsanatorium, para curar um pretenso episódio de tuberculose. Ao visitá-la Mann decidiu instalar-se numa pousada e usar o conhecimento adquirido no dia-a-dia, no sanatório, para escrever esta obra-prima.
O livro narra a viagem de Hans Castorp ao sanatório Berghof, localizado em Davos-Platz , cantão de Graubünden - Suíça, onde deseja passar três semanas com o primo Joachim, um dos doentes ali internados. É uma história aparentemente simples mas que é imediatamente contrariada na primeira página, onde o narrador aborda de forma excepcional o grande tema do romance: O Tempo.
No sanatório Berghof, os pacientes, pertencentes a uma elite europeia, observam superiormente a restante humanidade, confinados num espaço em que o tempo é medido de forma diferente e deixou de ter o significado do tempo na planície.
“(…) o tempo das pessoas não interessa aqui para nada. Vais ver, para eles, três semanas são como um dia. Ainda irás aprender tudo isto (…) – pág. 17
A monotonia das descrições minuciosas (realismo) juntamente com o quotidiano dos pacientes é quebrada com o surgimento de algumas personagens que são inesquecíveis.
Settembrini – humanista, liberal italiano. Disserta sobre democracia, direitos humanos, liberdade individual, a busca pelo conhecimento, pela arte e a importância da literatura para a humanidade. Um personagem recheado de simbolismo. O italiano é o primeiro passo na iluminação do jovem Hans como cidadão do mundo.
“- Eis-nos chegados ao que interessa, meus senhores! – exclamou Settembrini. – Eis-nos chegados!
E começou a falar do “verbo”, do culto da palavra, da eloquência, que classificava como triunfo do humano. A palavra era, a seu ver, a honra do homem e só ela tornava a vida digna e humana. Não era o mero humanismo que ele via como indissociável do verbo e da literatura, mas todo o humanitarismo, toda a dignidade da condição humana, o respeito pelos outros homens e de cada homem por si mesmo.” – pág. 183/184
Naphta – Um radical, jesuíta judeu, opositor da democracia, defensor da Inquisição e dos aspectos mais implacáveis do catolicismo.
“- Não! – continuou Naphta. – O segredo e o mandamento dos nossos tempos não consistem na libertação e no desenvolvimento do Eu. O que a nossa época necessita e reclama, e o que acabará por gerar, chama-se…terror.” – pág. 450
“- Quanto à dignidade e à desonra – retorquiu Naphta – muito haveria a dizer. Para já, ficaria imensamente satisfeito se as minhas palavras lhe dessem ensejo de conceber a liberdade mais na qualidade de problema do que de belo gesto. O senhor fez notar que a moral económica de pendor cristão, não obstante toda a beleza e humanidade de que se reveste, gera servidão. Eu, por minha parte, constato que a causa da liberdade – ou das cidades, numa formulação mais concreta - , independentemente do carácter ético que possa ostentar é, do ponto de vista histórico, indissociável da degeneração mais desumana da moral económica, de todos os horrores resultantes do comércio e da especulação da modernidade, do poderio satânico do dinheiro e do negócio.” – pág. 455
Os embates entre estas duas personagens são memoráveis e o seu fim é extremamente simbólico e, previsivelmente, trágico.
Peeperkorn – holandês, plantador de café, rico. Ao lado da dupla Settembrini e Naphta é apenas um ignorante que não se impõe pelas ideias mas pela sua envergadura e força.
Clawdia Chauchat – A sedutora oriental. Representa a passividade, irracionalidade, negligência e a submissão. Não gosta nem de Settembrini nem de Naphta, goza com Joachim e ama Peeperkorn. Hans Castorp apaixona-se por ela à primeira vista.
Pribislav Hippe - Colega de escola de Hans e por quem ele se sentia fortemente atraído.
Logo nas primeiras frases do propósito Thomas Mann caracteriza Hans Castorp como “um jovem simples, se bem que simpático”, mas à medida que a história avança percebemos como Hans não é uma mente simples e que um dos temas do romance é o longo, penoso e perigoso caminho da auto-educação de Castorp.
A complexidade e o mistério do tempo são outro tema recorrente ao longo de todo o romance. Na minha humilde opinião, o tempo é o protagonista desta história.
Há duas passagens que me maravilharam:
Quarto Capítulo
Sub-capítulo - “Excurso sobre o sentido do tempo”
“- Não posso deixar de achar estranha a sensação de o tempo passar muito lentamente quando chegamos a lugar novo. Quer dizer…É evidente que isso não significa que me esteja a aborrecer, bem pelo contrário, posso afirmar que me estou a divertir à brava. Contudo, quando olho para trás – retrospectivamente, portanto -, vê lá se me entendes, tenho a impressão de já cá estar há imenso tempo.” - Pág. 124
Sexto Capítulo
Sub-capítulo – “Mudanças”
"O QUE É O TEMPO? UM MISTÉRIO – IRREAL E TODO-PODEROSO. É CONDIÇÃO DO mundo sensível, é movimento associado e mesclado com a existência dos corpos no espaço e com a sua dinâmica. Mas deixaria de haver tempo, se o movimento desaparecesse? Deixaria de haver movimento, se o tempo se dissipasse? Perguntas inglórias! Será o tempo uma função do espaço? Ou vice-versa? Ou serão ambos idênticos? Tudo questões sem resposta! O tempo é dinâmico, tem uma natureza verbal, o tempo «produz». O que produz ele? A mudança! O Agora não é o Antes, o Aqui não é o Ali, porque entre eles se interpõe o movimento. Mas como o movimento – bitola pela qual se mede o tempo – é circular e fechado sobre si mesmo, pode ser visto como movimento e mudança ao mesmo tempo, uma mudança que também se poderia designar por imobilidade ou estatismo, já que o Antes se repete sem cessar no Agora e o Ali no Aqui.” - Pág. 388
Foram quatro longos meses de subida mas agora que aqui cheguei, ao topo da Montanha Mágica, não tenho vontade nenhuma de regressar à planície.