Série: -
Autor: Etaf Rum
Data de Leitura: 15/10/2025 ⮞ 19/10/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Este romance surpreendente leva-nos numa viagem às vidas das mulheres árabes que vivem nos Estados Unidos e ao impacto que a cultura patriarcal pode ter no seu silêncio, ainda nos dias de hoje.
Em Brooklyn, chegou a altura de Deya, com dezoito anos, se encontrar com potenciais maridos. Embora casar não faça parte dos seus planos, os avós não lhe dão escolha. A única forma de garantir um futuro é por meio do casamento com o homem certo.
A história repete-se: Isra, a mãe de Deya, também não teve escolha quando, ainda adolescente nos anos noventa, deixou a Palestina para se casar com Adam nos Estados Unidos. Deya tenta fazer o que a sua mãe não conseguiu — libertar-se das tradições violentas e misóginas e forjar o próprio caminho. Mas o choque entre culturas vai fazê-la descobrir segredos complexos e obscuros que se escondem na sua família.
Numa narrativa sobre trauma, liberdade e peso cultural, esta é uma história sobre mulheres que continuam a nascer sem voz e que lutam por conseguir resistir às restrições patriarcais projetadas para as tornar invisíveis.
Minha review no GoodReads
Mulheres oprimidas que se tornam opressoras.
É com esta frase que começo, porque nenhuma outra traduz tão bem Uma Mulher Não é um Homem, de Etaf Rum. É um livro sobre mulheres aprisionadas nas tradições, nos silêncios, nas casas e, sobretudo, nas culpas herdadas. Mas é também sobre a forma como essas correntes se perpetuam: de mãe para filha, de sogra para nora, de mulher para mulher. É um ciclo tenebroso que permite à vítima, em muitos casos, tornar-se carrasco das mesmas regras que a prendem.
Ler Uma Mulher Não é um Homem é como entrar numa prisão de mulheres cujas asas foram cortadas antes mesmo de saberem que com elas podiam voar.
Isra, a jovem palestiniana que inicia esta história, é o retrato da esperança sufocada. Casada aos dezassete anos, muda-se para os Estados Unidos com a ilusão de que o novo continente poderá ser também um novo começo. Porém, o que encontra é apenas uma prisão com paredes diferentes. A casa em Brooklyn torna-se o prolongamento da sua aldeia natal. Continua sem voz, sem escolha, sem amor.
A autora dá-lhe uma consciência silenciosa — Isra percebe o absurdo, sente o peso, mas não consegue libertar-se, falta-lhe coragem para quebrar o ciclo.
Fareeda, a sogra, é o espelho de Isra. É uma mulher dura, controladora, que exige obediência e perpetua o mesmo sistema que um dia a esmagou. É muito fácil odiá-la, mas a autora não a descreve como vilã, mas sim como mais um produto do medo — do que acontece quando a dor se converte em regra, quando o trauma vira tradição.
(…) nos primeiros tempos do casamento, lembrava-se sempre a si mesma de que o seu papel era de subordinada, submetendo-se ao temperamento dele por medo de ser agredida. Mas, independentemente de quão sossegada fosse, de quanto tentasse agradar, muitas noites terminavam com uma tareia. (…) Aquelas tareias deixavam-lhe a cara roxa e azul, as costelas doridas a ponto de lhe doer respirar, um braço tão cruelmente torcido que não conseguia carregar água durante semanas.
Tendo sido moldada por uma cultura que mede o valor da mulher pela quantidade de filhos homens que gera, Fareeda acredita estar a proteger a família e a preservar a honra.
Fareeda só tinha uma filha, Sarah, que era para Fareeda o que Isra era para a mãe: um pertence temporário, que só era necessário quando era preciso cozinhar ou limpar a casa.
No fundo, é o retrato mais cruel da opressão, aquela que acredita estar a fazer o bem.
Sarah, a cunhada de Isra, é uma jovem que ousa imaginar outra vida. É talvez a primeira fissura nesta estrutura sufocante. Quando Isra se resigna, Sarah inquieta-se; quando Isra obedece, Sarah questiona.
Percebe-se que Sarah deseja voar, escapar e viver uma vida diferente, mesmo que isso signifique abdicar da família e carregar essa culpa consigo.
E, finalmente, há Deya, filha de Isra, neta de Fareeda — a nova geração, a voz que tenta quebrar o ciclo. Crescida nos Estados Unidos, Deya vive num limbo entre dois mundos: o americano, que a convida a sonhar, e o palestiniano, que a obriga a submeter-se. A avó quer casá-la; ela quer estudar.
Quando a verdade sobre o destino da mãe vem à tona, Deya percebe que não basta viver num país livre para ser livre — é preciso quebrar o legado de silêncio, de submissão, de desejo sufocado e da exigência de que o único papel aceitável para uma mulher é casar, ter filhos (de preferência um filho homem) e desaparecer atrás de uma porta.
Não há nada neste mundo para as mulheres além do bayt wa dar, a casa e o lar. Casamento, maternidade… É esse o único valor da mulher.
Num tempo em que assistimos a retrocessos no respeito e na liberdade das mulheres, Uma Mulher Não é um Homem é mais do que um romance, é um grito. Um grito de quem nunca pôde gritar. Um alerta para o perigo do silêncio.
Dou-lhe cinco estrelas, não pela história em si — que é dura e cruel —, mas pela coragem. Pela libertação. Pela vontade de mudar mentalidades.
E, sobretudo, porque este livro mostra que as trevas não se combatem apenas fora de casa — combatem-se dentro, onde tantas mulheres ainda confundem submissão com destino.
É disso que este livro fala:
da coragem de rasgar o silêncio, de quebrar o ciclo, de lembrar que uma mulher livre não usa burqa — nem por fora, nem por dentro.
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