Título: São Jorge dos Ilhéus
Série: -
Autor: Jorge Amado
Data de Leitura: 07/08/2022 ⮞ 03/09/2022
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Jorge Amado considerava São Jorge dos Ilhéus (publicado em 1944) uma continuação natural de seu romance anterior, Terras do sem-fim (1942). Se este, ambientado no campo, narra a saga dos pioneiros e as guerras sangrentas pela posse da terra, aquele, tendo Ilhéus como cenário principal, fala do momento em que, pacificada, a região colhe os frutos da exportação de cacau e se moderniza. Nesse contexto, em que os confrontos de jagunços foram substituídos pelo jogo na bolsa de valores e pelas intrigas políticas, pululam os personagens mais dí prostitutas, jogadores, exportadores estrangeiros, militantes comunistas, filhos de coronéis transformados em bacharéis ociosos, poetas de fim de semana, artistas de cabaré. Durante uma alta de preços forçada astuciosamente pelos exportadores, com o intuito de ludibriar os velhos coronéis e açambarcar suas terras, a cidade de Ilhéus vive uma breve idade do ouro, com uma vida noturna vibrante, e recebe aventureiros de todos os pontos do país e até do exterior. Jorge Amado entrelaça os destinos de uma dúzia de personagens das mais variadas extrações, narrando de modo envolvente seus dramas e suas comédias, seus sonhos, traições, vinganças. Este e-book não contém as imagens presentes na edição impressa.
Minha review no GoodReads
3º Volume do ciclo do cacau
São Jorge de Ilhéus é a continuação de Terras do sem fim.
Enquanto no primeiro Jorge Amado mostrou-nos uma luta sangrenta pela posse das terras, neste a luta é essencialmente comercial.
Há personagens que regressam - o Capitão João Magalhães, Don'Ana Badaró, Munda e Antônio Vítor - e somos apresentados a novos personagens, os seus descendentes, Dr. Rui Dantas, Silveirinha e Joaquim, entre outros.
Após terminarem os conflitos pela posse das terras de Sequeiro Grande assistimos aos tempos áureos das plantações de cacau, ao aumento dos preços no mercado internacional e à circulação das riquezas pelas terras de Ilhéus, Itabuna etc.
Os coronéis, cheios de dinheiro, endividam-se para sustentar as amantes, o jogo e os vícios e acabam nas mãos das empresas exportadoras que na baixa do preço do cacau lhes ficam com as terras.
As personagens femininas são fortes, marcadas pela resistência e pelo sofrimento.
É um livro que me envolveu devagarinho e que às páginas tantas não o queria por de parte nem acabar de lê-lo.
Maneca Dantas andava desanimado. Disse:
— A gente passou a vida toda na roça, derrubou mata, brigou, matou gente, derramou sangue de cristão…
Sérgio ouvia interessado. Maneca Dantas fitava as luzes de Ilhéus:
— Plantamos cacau, fizemos roça, a gente nunca se divertiu, a gente fazia tudo era mesmo pros filhos. E veja o senhor, seu Sérgio, os filhos da gente não deram pra nada, a não ser para beber cachaça e andar com rapariga… — Lembrava-se de Rui. — Ou pra coisas piores… Pra isso não valia a pena a gente ter trabalhado tanto…
Calou, o poeta não disse nada. Maneca Dantas voltou a falar:
— E agora ainda tomam as terras da gente, deixam a gente na pobreza… Tou velho, seu Sérgio, de que valeu trabalhar tanto, matar gente, passar cinquenta anos enterrado na mata? Pra ganhar o quê? Pra terminar pobre…
Então o poeta apontou as luzes da cidade lá embaixo:
— Pra fazer isso, coronel! Valeu a pena. Os senhores fizeram tudo que está aí… Pensa que é pouco?
Maneca Dantas concordava, sem entusiasmo nem alegria:
— Só que não é mais da gente…
Quando, na outra noite, Sérgio voltou a visitar Joaquim, contou ao militante a conversa que tivera com Maneca Dantas. Joaquim se levantou da cadeira e disse:
— Companheiro Sérgio, o tempo deles passou… Agora começou o tempo dos exportadores, que é o tempo do imperialismo. Mas também esse tempo vai passar. Primeiro, eles vão brigar entre eles mesmos.
Sérgio noticiou:
— Karbanks e Schwartz já estão em luta. Os integralistas combatendo Carlos Zude…
— Está vendo? De um lado os alemães, do outro os americanos. O tempo deles também vai acabar, vai começar o nosso tempo, companheiro Sérgio…
Saíram, andavam para os lados do cemitério. Lá embaixo eram as luzes da cidade. O poeta Sérgio Moura via o dragão sobre Ilhéus, de garras estendidas, cem bocas famintas. E pensava que, se na véspera havia conversado com o passado, agora estava conversando com o futuro. Joaquim falava com convicção, a voz profunda que parecia chegar do coração pleno de fé:
— Primeiro a terra foi dos fazendeiros que conquistaram ela, depois mudou de dono, caiu na mão dos exportadores que vão explorar ela. Mas um dia, companheiro, a terra não vai ter mais dono…
Sua voz subia para as estrelas, cobria as luzes da cidade:
— …nem mais escravos…