Título: Através da Vida
Série: -
Autor: Amélia de Freitas Beviláqua
Data de Leitura: 25/02/2025 ⮞ 26/02/2025
Classificação: ⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Autora de uma obra relativamente vasta, Amélia de Freitas Beviláqua (1860 - 1946) publicou romances, contos, crônicas, ensaios e poemas, e contribuiu regularmente com diversos periódicos de sua época. Foi uma fervorosa defensora do acesso das mulheres à educação, bem como da igualdade de direitos entre os gêneros, e viajou por diversos estados brasileiros, onde se notabilizou como divulgadora cultural e conferencista.
No romance Através da Vida (1906), Amélia Beviláqua nos conduz a uma travessia pelo mar revolto da vida de uma mulher brasileira do final do século XIX, desde a infância até a idade madura, e explora, por meio de sua protagonista Daluz, questões que lhe eram caras no movimento pelos direitos das mulheres, em seu tempo: o acesso das meninas à educação; a não limitação do destino da mulher ao casamento, e a correspondente necessidade de acesso a uma carreira profissional; e a necessidade de proteção legal da mulher no casamento, especialmente em face do abuso e da infidelidade masculinas.
Amélia Beviláqua faleceu, em 1946, e deixou, como legado, uma volumosa obra, que permanece ainda hoje, infelizmente, fora de catálogo – algo que essa modesta edição pretende começar a remediar.
Minha review no GoodReads
Amélia Beviláqua nasceu em Jerumenha, no Piauí, em 1860, e faleceu no Rio de Janeiro em 1946.
Foi advogada, contista, poeta, crítica literária, ensaísta e jornalista. Em 1902, foi uma das fundadoras da revista O Lyrio, de Recife, escrita exclusivamente por mulheres e dedicada à publicação de crónicas, contos e comentários literários.
Amélia Beviláqua foi a primeira ocupante da cadeira nº 23 da Academia Piauiense de Letras e, em 1930, tornou-se a primeira mulher a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras. Obviamente, não foi aceite, e muitas outras se seguiram com o mesmo desfecho, até porque aquilo continua a ser um clube do bolinha onde meninas dificilmente entram. Basta ver que, em 2018, Conceição Evaristo foi preterida em favor de Cacá Diegues.
Mas há, no Brasil, um silencioso trabalho de formiguinha na redescoberta de obras e autoras esquecidas da literatura brasileira do final do século XIX e início do século XX, disponibilizando-as tanto na versão clássica, em livro de brochura, como na versão e-book. Gostava que por cá também se fizessem coisas assim. É difícil, eu sei!
Voltando à única obra que encontrei disponível de Beviláqua, Através da Vida mostra-nos a submissão e a opressão impostas às mulheres na sociedade patriarcal da época.
Maria Daluz, a protagonista, representa a figura feminina subjugada: órfã e pobre, cresce sem acesso à educação formal e tem a sua vida determinada pela família.
A história expõe a diferença na educação de rapazes e raparigas:
(...) a menina sentava-se no estrado, na sala de jantar, e era obrigada a bater bilros o dia inteiro para acabar o papelão de rendas que ela ensinava. Os marmanjos tinham vida muito diferente. Quando chegavam do colégio, empinavam papagaios pela rua, traquinavam, corriam, tudo faziam sem que se ralhasse. A menina, com o corpo cansado, sempre encurvado na almofada, não distraia o espirito, nem brincava, porque era menina e devia estar sempre quieta.
A influência da religião é outro tema forte:
Um dia, a pequena ajoelhou-se defronte de uma grande estampa de Jesus que estava pendurada no seu quarto de dormir, e disse em voz angustiosa, ao meigo nazareno, que olhava para o alto, com os olhos tão tristemente dolorosos, que pareciam indiferentes à prece que ela lhe fazia com tanto ardor: “Jesus, tu que és tão admiravelmente bom, que és o maior dentre todos os seres, fazei que eu possa abafar no meu peito todos os meus sentimentos, que os meus desejos não ultrapassem nunca o poder das minhas forças.
E, claro, o papel da mulher como objecto de troca nas relações familiares:
Antes de se acabar o verão desse ano que tinha sido muito alegre em Olinda, a Daluz aceitou finalmente o casamento com o Francisco. Era um sacrifício horroroso, porém, não sabia mais resistir; todos queriam a sua desgraça. Que havia de fazer?
Daluz é forçada a casar-se com um homem que não ama e acaba por viver uma existência de sofrimento e renúncia. Mesmo depois da morte do estafermo, continua submissa e só no fim chega à conclusão de que, para além de educação, precisava de liberdade e afecto.
Beviláqua tem uma escrita semelhante à de algumas autoras que já li, como Júlia Lopes de Almeida. Não faz discursos panfletários, mas a sua crítica social é subtil mas mordaz, e, mais de cem anos após a sua publicação, vale a pena esta incursão ao passado.