Título: Paisagem sem Barcos | Os Armários Vazios |
O seu Amor por Etel
Série: Obras Completas de Maria Judite de Carvalho #2
Autor: Maria Judite de Carvalho
Data de Leitura: 20/02/2022 ⮞ 06/03/2022
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
A presente coleção reúne a obra completa de Maria Judite de Carvalho, considerada uma das escritoras mais marcantes da literatura portuguesa do século XX. Herdeira do existencialismo e do nouveau roman, a sua voz permanece intemporal, tratando com mestria e um sentido de humor único temas fundamentais, como a solidão da vida na cidade e a angústia e o desespero espelhados no seu quotidiano anónimo. Observadora exímia, as suas personagens revelam o ritmo fervilhante de uma vida avassalada por multidões, mas sempre reclusas em si mesmas, separadas por um monólogo da alma infinito.
O segundo volume reúne duas coletâneas de contos - Paisagem sem Barcos (1963) e O seu Amor por Etel (1967) - e uma novela - Os Armários Vazios (1966).
Minha review no GoodReads
Incomunicabilidade | Silêncio | Solidão | Angústia | Resignação | Desespero
Paisagem sem Barcos
“Sou uma ilha, Paula.” Sim, uma ilha pequena, sem arquipélago, e à volta o oceano desconhecido e um nevoeiro tão denso que não deixava ver os barcos, se os havia. Mas era natural que os houvesse. Há sempre barcos em volta das ilhas. Estivera um dia numa ilha assim…
A voz de Paula ria na sua sala, no seu divã. “Todos o somos, não és original.”
“Mas eu sou aquela ilha.”
Pequena e com praias de cascalho, não muito belas, voltadas para oriente. O sol abandonava-as a meio da tarde, e então fazia frio e a água ainda há pouco morna e confortável tornava-se gélida, matéria opaca, cheia de vida, de morte e de mistérios. Só havia uma coisa a fazer, subir, subir à procura de um resto de sol. Mas do lado ocidental era o reino das gaivotas e dos rochedos a pique. Coisas só para olhar. Ruídos que eram silêncio. E acabava sempre por regressar à tenda onde estava acampada com uns amigos. Cansada. Farta. A querer ir-se embora e sem partir.
Tudo vai Mudar
Observar com atenção tudo aquilo que deixa, tudo, bem de frente, por uma vez sem receio, e verificar que não tem pena de se ir embora. Não fugir, não se escapar pelas ruas transversais, não se esconder na primeira porta aberta. Não sonhar. Sobretudo não sonhar.
Anica Nesse Tempo
Isso de felicidade … não é um estado inerte, pois não, major? Vai mudando com o tempo.
Os Armários vazios
Uma história sobre como os homens traem as mulheres e sobre como as mulheres se traem umas às outras.
Era um dia igual a tantos, agora que eu vivia só. Mais um número a subtrair à minha conta-corrente.
Talvez gostasse também, embora menos, com os homens nunca se sabe. Os pobres foram feitos para ter um harém em que todas as mulheres se entendessem como Deus com os anjos, e isso foi-lhes proibido pela Santa Igreja. O que hão-de eles fazer? Acumular ou então, mais raramente, deixar uma para pegar noutra, é normal.
Não sou feliz. Na verdade não sou feliz. Note que gosto muito da Manuela. A verdade é que é precisamente essa a razão por que não sou feliz e procuro aqui e além, desculpe a franqueza, um momento de exaltação.
Ernesto embrenhou-se numa confusa tragédia de casal sem filhos e do desgosto que tinha de não os possuir. Ele, Ernesto Laje, era um lutador, mas que gostaria de saber para quê ou para quem lutava.
Eu julgava que o problema dele não se chamava Manuela e afinal… Arranjara maneira de eu ser o seu problema. Era infeliz por eu não ter filhos e procurava compensações lá fora. Ao mesmo tempo, porém, gostava muitíssimo de mim e não podia trocar-me por mais ninguém. Um círculo vicioso muito vicioso.