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[Opinião] As Três Mortes de Lucas Andrade - Henrique Raposo

                     



Título: As Três Mortes de Lucas Andrade

Série: -

Autor: Henrique Raposo

Data de Leitura: 29/12/2024 ⮞ 25/01/2025

Classificação: 


Sinopse

Visto de um lugar onde pode estar Deus, este romance é a saga de um suicida. Sabemos, desde o início, que ele vai matar-se - é a autópsia de um suicídio. Os leitores dividir-se-ão no julgamento moral deste anti-herói. Uns considerá-lo-ão um vilão, outros um herói. Para terminar, talvez uma minoria mantenha a esperança de que ele permanece vivo e que voltará numa outra encarnação.


Por outro lado, trata-se da saga de um jovem pobre que vive em conflito com os códigos masculinos da pobreza, da rua, da fábrica. Visto através das personagens que rodeiam o anti-herói, sobretudo mulheres, o livro de Henrique Raposo é um retrato novo e revolucionário da pobreza, fixando-se na nossa segunda metade do século XX, retratando as migrações do campo para a cidade, os choques entre a cidade e a periferia - e o nascimento dos subúrbios dos anos 60 e 70.


Para isso, convoca o elemento invisível na ficção portuguesa de agora: a pobreza, o choque entre classes e, sobretudo, os conflitos dentro de cada classe - sempre refletindo sobre a violência e o mal e colocando uma pergunta recorrente: como se mantém a decência no meio do caos, da pobreza e do mal?


Minha review no GoodReads


E não há outra forma de começar: ele nasceu três vezes. Compreendê-lo passa por testemunhar os dois rebatismos que se seguiram ao batismo original. Ele começou na qualidade de João Miguel Correia Azul, rapaz acanhado de uma aldeia serrana. Aos onze anos, a vida obrigou-o a renascer na pele de Ruço, puto do infame Janeirinho, um dos morros que cerca Lisboa a norte e oeste. Aos vinte e poucos anos, renasceu de novo e de livre vontade. Ele próprio orquestrou o seu terceiro e mediático parto que deu origem a Lucas Andrade, pseudónimo que lhe deu a mais improvável das parcerias: fé e fama literária.


Há livros que nos tocam, e este, com uma história tão bem contada e bastante profunda, é um deles. Às vezes, só queremos encontrar uma boa história, e este livro oferece-nos isso. Como alguém que sempre viveu em Lisboa, aquele Janeirinho pareceu-me tão real que quase jurava já lá ter estado. Estive noutros, até porque Lisboa é cercada por uma muralha de morros que vai da Buraca até Loures.


A história aborda como as circunstâncias moldam quem nós somos. João Miguel é influenciado pela austera e autoritária avó Eduarda, pelo pai resiliente e pela mãe exigente. Já Ruço é um sobrevivente de um bairro complicado, com amigos violentos, mas também com uma professora que o desafia intelectualmente e com a avó emprestada Judite, que o mantém no prumo.


Já Lucas Andrade é a soma de tudo isso.


É impossível não nos conectarmos com as personagens e com os lugares, até porque, para uma determinada geração, estas vivências fizeram parte do nosso dia-a-dia.


Do autor sei pouco, apenas que, há uns anos, houve alguma polémica por causa do seu livro Alentejo prometido e, mais recentemente, por questões relacionadas com o seu posicionamento político. Sinceramente, isso não me interessa para nada, porque este é, sem dúvida, um grande livro e uma grande história e não merece um boicote literário.