Título: A Década Prodigiosa: Crescer em Portugal nos Anos 80
Série: -
Autor: Pedro Boucherie Mendes
Data de Leitura: 24/10/2024 ⮞ 07/11/2024
Classificação: ⭐⭐⭐⭐
Sinopse
A década de 1980 em Portugal foi a primeira a começar em democracia - a primeira em que toda uma geração viveu sem a sombra da ditadura. Os portugueses fizeram dessa época um tempo extraordinário, dominados pela sensação de que cada novo ano seria ainda mais espantoso do que o anterior. Nem tudo foi bom, é certo. Dramas como o trabalho infantil, a heroína, a SIDA, os bairros de lata ou a vulgarização dos salários em atraso escurecem as recordações mais otimistas. No entanto, esse lado negro não é o que prevalece naqueles que cresceram nessa era.
Se a década começou triste, atrasada e falida, avançou numa crescente sede de modernidade e num ambiente de despreocupação, sobretudo entre os mais novos, que hoje parecem irrepetíveis. E quando os anos oitenta terminaram, Portugal era um país promissor, de mangas arregaçadas a encarar o futuro.
Entre a memória autobiográfica e a evocação de alguns dos acontecimentos que mais marcaram o país e o mundo nesses anos, A Década Prodigiosa é uma viagem a um passado onde tudo parecia possível, numa narrativa em que o retrato de época se cruza com a inevitável nostalgia de uma certa inocência perdida.
Minha review no GoodReads
A Década Prodigiosa: Crescer em Portugal nos Anos 80 é mais do que um exercício de nostalgia; é um retrato de um país em mudança e de uma geração que acreditava ser possível transformar o futuro.
É durante esta década que aqueles que eram crianças no 25 de Abril iniciam a sua pré-adolescência e acabam a entrar na idade adulta. O contexto que se vivia no nosso país também ajudou a viver todos esses anos com uma intensidade desmedida.
Com as suas conquistas e dificuldades, os anos 80 deixaram uma marca na memória colectiva dos portugueses, numa convergência de vivências que dificilmente se voltará a repetir.
Portugal estava em transição entre o passado e o futuro, e nós éramos o futuro, a geração que podia mudar tudo e fazer deste pequeno rectângulo um país moderno afastado dos valores e das amarras de uma ditadura que nos empobreceu, em todos os sentidos, ao longo de quarenta anos.
É a década da transformação e da modernização, da adesão à CEE, da abertura a novas formas de pensar e agir, da democracia e da liberdade. Tudo está em constante mudança e transformação. Começamos a querer chegar ao padrão dos países europeus e percebemos que era possível mesmo com os problemas sérios que tivemos que enfrentar.
Não é um livro nostálgico, é mais um retrato de um país e das suas gentes.
Embora tenha gostado de relembrar tantas e tantas coisas (só não me recordo do tal de Adam Curry, e do pseudo êxito A Salsa das Amoreiras dos Afonsinhos do Condado) acho que o autor dá uma visão demasiado masculina da década, e falta o lado feminino da coisa – nós não éramos só miúdas que gostavam de ir à Feira de Carcavelos comprar roupa e que tínhamos fitinhas no guiador da bicicleta. Não me senti representada em nenhum momento durante a leitura.
Percebo que é muito da visão de um homem que viveu esta década na Linha de Cascais, e não saía muito da sua zona, o próprio assume que visitar Lisboa significava quase só ir comprar discos, na Motor (mais tarde, Bimotor), nos Restauradores, ou à Melodia, na Rua do Carmo e que só entrou na Brasileira com mais de quarenta anos. No entanto, a década foi muito mais do que isso, e faltam-me os detalhes das vivências femininas e das mulheres que também ajudaram a moldar o país que somos hoje.
No fundo, é um daqueles livros que mereceria 3 estrelas, mas dou-lhe uma quarta pelas recordações que me trouxe.
Progresso de leitura e citações:
October 24, 2024 – 1.0% Para os que crescemos durante os anos oitenta, fazendo parte da primeira geração de Portugueses que foi para a escola em democracia, tudo se assemelhou muitas vezes a umas enormes férias grandes em que raramente choveu.
[Estou curiosa 🧐]
October 24, 2024 – 4.0% Na manhã do dia 16 de fevereiro de 1980, no estuário do Tejo naufraga o porta contentores Tollan, depois de chocar com o navio sueco Barranduna. Ali ficou, em frente à Praça do Comércio, (...) Durante quase quatro anos (...) Tornou-se atração, passou a ser típico ir passear e ver o Tollan (...)
[antes do Tolan ainda houve a queda do Skylab, mas foi em 1979]
October 24, 2024 – 5.0% Em finais de Novembro de 1980, Maria Armanda, uma criança de cinco anos, vence o Sequim d'Ouro.
(...)
A vitória de "Eu Vi Um Sapo" cantado em italiano foi dos maiores orgulhos nacionais.
[já nem me lembrava disto]
October 24, 2024 – 5.0% No dia 11 de dezembro [1980] inaugura o Trumps, uma discoteca para a comunidade gay na zona do Príncipe Real, em Lisboa, e na semana a seguir abre o Rock Rendez-Vous, na zona do Rego, também em Lisboa.
[quantas matinés no RRV!! e noutros como o 2001, o Archote e o Porão da Nau. Naquela época a entrada era à vontadinha]
October 24, 2024 – 7.0% Na minha memória daqueles tempos, a morte de Sá Carneiro, a 4 de Dezembro de 1980,pertence à infância das camisas de colarinho enorme e ao tempo do preto e branco.
[Na minha memória fica a fuga do colégio para ir ao Mosteiro dos Jerónimos ver o caixão, as horas de fila que enfrentei e o raspanete que levei tanto no colégio como em casa]
October 24, 2024 – 9.0% (...) gozávamos com o nacional-cançonetismo liderado pelo insuperável Marco Paulo, aríete dos microfones, dono de uma cabeleireira de caracóis inesquecível. Na minha zona, "Dois Amores" cantava-se "Eu tenho dois tratores, que em nada são iguais / um é a motor e o outro a pedais".
October 27, 2024 – 14.0% "Outra epidemia que impacta o Portugal pré-CEE viria do Reino Unido, com o lançamento do computador pessoal Z Spectrum.
[esqueceu-se ao falar disto de fazer referencia à necessária chave de fenda que muitas vezes era necessária necessária]"
October 27, 2024 – 18.0% Não soará digno nem nobre, mas para aquela fornada de lusitanos, os temas da Heidi e da Abelha Maia são músicas de uma vida. Como o instrumental de Dallas, da Balada de Hill Street, a cantiga de Barco do Amor, mas também Zé Gato.
October 28, 2024 – 18.0% Gravavam-se cassetes a partir da rádio, procurando a proeza de evitar os anúncios a tempo, guardavam-se as folhas de alumínio, a que chamávamos pratas, que serviam de embalagem às tabletes de chocolates no meio de livros. Porquê? Nunca se soube.
(...)
Sobre as pratas dos chocolates, sobrevive o enigma.
October 28, 2024 – 21.0% (...) na RTP, o filme Pato com Laranja é interrompido devido a telefonemas do público por causa de nudez feminina.
[Isto foi em 1983, mas acho que mais tarde houve um filme japonês que também deu muito que falar]
October 28, 2024 – 23.0% Nos autocarros e comboios, liam-se revistas, fotonovelas, livros, jornais e desportivos, os thrillers médicos de Robin Cook, de Konsalik, etc.
Os televisores eram Grundig, Telefunken, Salora, Normende, Sanyo, ITT, Philips, mais tarde Toshiba, Sony ou Panasonic, e as máquinas fotográficas de bolso Kodak ou AGFA.
October 29, 2024 – 27.0% O 1, 2, 3 foi muita coisa numa só. Entretenimento, diversão, princípios de economia, antropologia, sociologia, psicologia, estudo do comportamento, quase saíamos cientistas sociais daquelas noites.
[Um, dois, três, diga lá outra vez!]
October 31, 2024 – 28.0% (...) encostada à estação de comboios que ligava Cascais a Lisboa, a FIC era um destino que dava jeito, era só sair do comboio. (...) incontáveis jovens lisboetas fizeram a primeira viagem de comboio na Linha de Cascais para ir à feira (...) A feira (...) um paraíso de falsificações, candonga, restos de coleção, oportunidades e, acreditava-se, de modelos exclusivos.
[E a Feira da Ladra? Esqueceu-se, era menino da linha!]"
October 31, 2024 – 31.0% Nos primeiros anos dos oitenta, usávamos sapatilhas Sanjo (...) Os casacos eram, óbvia e naturalmente, Kispo (...) Os melhores polos poderiam ser Mike Davis, Lacoste ou Alberto Coronel. Abundavam anúncios constantes à Fábrica de Chaves do Areeiro, aos sabonetes Lux, Rexina e Feno de Portugal, à batata frita Pála-Pála e aos gelados Olá. (...) a maioria do que venerávamos evaporou-se em falências e outras extinções.
November 2, 2024 – 42.0% Em 1984,a inflação fora de 28,5%, em 1985 viria a ser de 19,5% e de 12,6% no ano seguinte. Ouve-se e canta-se muita coisa, como "Kayleigh" dos Marillion, é "Luka", de Suzanne Vega. Nós cinemas, Regresso ao Futuro era o filme visto pela juventude.
November 2, 2024 – 42.0% (...) comprar uns óculos que lhe permitissem ver O Monstro da Lagoa Negra a três dimensões, na RTP, no final de Novembro de 1985. Foi uma coisa em grande em Portugal.
(...)
No fim, foi um fracasso colectivo (...) não se falou de outra coisa se não desse fiasco nos dias seguintes.
[impossível esquecer isto. uma desilusão 😂]
November 2, 2024 – 42.0% (...) abrirá a discoteca Plateau em Lisboa, na Avenida 24 de Julho, mais ou menos à meio caminho entre o Frágil e o Banana's.
[O Banana's era a discoteca dos betos]
November 3, 2024 – 42.0% O sobretudo verde, o loden de Freitas do Amaral, (...) será dos objetos mais reconhecidos pelos que viveram aquele tempo. Outro seria um autocolante com o slogan "Soares é fixe.
[também tive um loden, mas cinzento]"
November 3, 2024 – 45.0% (...) tivemos a sorte de o fazer numa época em que os instintos securitários e as suas manias, a pressão quase paranoica dos pais sobre os professores e a obsessão com as notas ainda não existiam (...)
November 3, 2024 – 46.0% Cheguei a ter aulas ao sábado de manhã, a carga horária era enorme, havia tantas disciplinas diferentes.
[Também tive aulas ao sábado, das 8 às 13h. A primeira aula era matemática e a stora nunca apareceu para dar uma aula, já eu tive sempre de lá estar porque estava tapada por faltas.]
November 3, 2024 – 51.0% A Causa das Coisas, o livro de Miguel Esteves Cardoso (...) Surpreendeu toda a gente, a primeira edição esgotou assim que foi posta à venda.
[Nunca comprei o livro, mas durantes anos comprei o Expresso só para ler as crónicas do MEC.]
November 5, 2024 – 53.0% Uma miúda era alguém que teria fitinhas nos punhos do guiador da bicicleta, uma caneta a mais para nos emprestar na escola, que escrevia com letra redondinha e fazia bolinhas em vez de pintas nos «is». Uma rapariga não dizia asneiras, não andava à luta, não era adepta de clube nenhum, não sabia acertar numa bola nem que esta fosse do tamanho de Évora.
November 5, 2024 – 58.0% No princípio de junho de 1987, Ilona Staller, a atriz de filmes para adultos de origem húngara, consegue vinte mil votos pelo Partido Radical e chega ao Parlamento em Itália com uma campanha que pedia paz e amor. Cicciolina, que mostrava o peito desnudado sempre que tinha oportunidade, conquistou o jornalismo ocidental e o eleitor italiano através da carne. Contava trinta e sete anos.
November 5, 2024 – 60.0% (.) pelos tops de vendas de livrarias, sabemos q os adultos liam Cardoso Pires, Saramago, Lobo Antunes, Fernando Namora, Vergílio Ferreira, Torga, o brasileiro Jorge Amado, Lídia Jorge (.). A coleção Vampiro, pequenos livros de bolso policiais, era popular (.) Nos transportes, as mulheres do tal «povo» poderiam ser apanhadas a ler romances cor-de-rosa, sobre grandes e trágicos amores, mas ninguém as julgava.
November 5, 2024 – 66.0% Tanto quanto sabíamos, as raparigas apreciavam o vocalista dos Duran Duran, os pilotos da série Galáctica, Tom Cruise e outros galãs de novela brasileira, rapazolas, músicos e atores, que viessem nos posters incluídos na revista Bravo.
November 6, 2024 – 69.0% Em certos círculos diziam "camioneta" ou "carreira", em vez de autocarros, (...)
[Para mim continua a ser autocarro da Carris, camioneta da Vimeca. Há coisas que não mudam 😂]
November 6, 2024 – 72.0% Na Grande Lisboa, o exame de código era na Rua da Palmira à Almirante Reis e o de condução na zona do Rego, enclave da dificuldade maior. De seguida, com a carta provisória (...) a usar um enorme autocolante com um "90" em fundo amarelo (...)
[all check]
November 6, 2024 – 73.0% Desde 1987 que se ouvia com gosto na rádio o divertido "A Salsa das Amoreiras", do grupo português Afonsinhos do Condado, cantado em portunhol.
[Esta caiu no buraco negro da minha memória. Não me lembro disto, e também não me lembro de um tal de Adam Curry que já foi falado umas quantas vezes]
November 6, 2024 – 74.0% Quem viveu aquele tempo, sabe bem o que foi o caso da cassete de Taveira. É um dos assuntos mais picarescos de toda a década e socialmente o principal candidato a acontecimento do ano.
[ e a expressão "estudasses" ficou para sempre connosco.]
November 6, 2024 – 75.0% Um dos fora-da-lei com notoriedade e recorrência foi (...) Capitão Roby (...) As aventuras do Capitão Roby divertiam mais do que chocavam, o seu nome acabou por cair na valeta das lembranças que se vão evaporando.
[já não me lembrava deste cromo, o Don Juan burlão]