Título: O Cortiço
Série: -
Autor: Aluísio Azevedo
Data de Leitura: 16/11/2020 ⮞ 27/11/2020
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Moradora de um cortiço de propriedade do português João Romão, Rita Baiana é uma mulher expansiva e liberada. Ao se apaixonar por Jerônimo, jovem lusitano recém-chegado ao Brasil, ela deflagra um jogo de paixões que acaba em tragédia.
Os tipos humanos e o dia-a-dia de um cortiço no final do século XIX. Obra máxima de Aluísio Azevedo, este romance representa a maturidade de um escritor preocupado em registrar e analisar à luz da ciência os males da sociedade brasileira.
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Aluísio de Azevedo (São Luís, 14 de abril de 1857 — Buenos Aires, 21 de janeiro de 1913) foi um romancista, caricaturista e diplomata brasileiro. Aos 19 anos sai de São Luís e ruma à capital, Rio de Janeiro, onde prossegue os estudos na Academia Imperial de Belas-Artes. Com a morte do Pai em 1878 regressa a casa, e começa a carreira literária para ganhar a vida.
Em 1881 publica o seu primeiro romance, O Mulato , que causa bastante incómodo na sociedade maranhense.
Regressa ao Rio de Janeiro, em 1881, decidido a iniciar a vida de escritor, mas em 1895, já depois de ter publicado diversos escritos abandona a literatura e dedica-se à diplomacia. É um dos fundadores – cadeira nº 4 - da Academia Brasileira de Letras.
O Cortiço é uma das principais referências da escola literária realista-naturalista brasileira, e é sem dúvida um clássico a não perder.
É uma história recheada de personagens, em que cada uma vive um drama diferente. Há amores e desamores, injustiças sociais, escravidão disfarçada, preconceitos, adultério, prostituição, homossexualidade, assassinatos, etc.
A vida das personagens vai-se entrelaçando com o Cortiço, tornando-o o protagonista do livro.
E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.(…)Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo.
O dono do cortiço é João Romão, um português ambicioso, pouco escrupuloso, e cuja ascensão social acompanhamos ao longo do romance.
João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.
Paredes meias com o cortiço vive Miranda, um português aristocrata cuja mulher tem como ocupação dos tempos livres traí-lo.
Bertoleza é uma escrava negra fugida a quem João Romão enganou com uma falsa carta de alforria.
Jerônimo é um português, casado com Piedade, que administra a pedreira de João Romão. Mais tarde apaixona-se por Rita Baiana e no final O português abrasileirou-se para sempre; fez-se preguiçoso, amigo das extravagâncias e dos abusos, luxurioso e ciumento; fora-se-lhe de vez o espírito da economia e da ordem; perdeu a esperança de enriquecer, e deu-se todo, todo inteiro, à felicidade de possuir a mulata e ser possuído só por ela, só ela, e mais ninguém.
Firmo, o atual amante de Rita Baiana, era um mulato pachola, delgado de corpo e ágil como um cabrito; capadócio de marca, pernóstico, só de maçadas, e todo ele se quebrando nos seus movimentos de capoeira. Teria seus trinta e tantos anos, mas não parecia ter mais de vinte e poucos. Pernas e braços finos, pescoço estreito, porém forte; não tinha músculos, tinha nervos. A respeito de barba, nada mais que um bigodinho crespo, petulante, onde reluzia cheirosa a brilhantina do barbeiro; grande cabeleira encaracolada, negra, e bem negra, dividida ao meio da cabeça, escondendo parte da testa e estufando em grande gaforina por debaixo da aba do chapéu de palha, que ele punha de banda, derreado sobre a orelha esquerda.
Rita Baiana é inicialmente a amante de Firmo, mas posteriormente troca-o por Jerônimo.
Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, tirilando. (…) só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante.
É uma radiografia da sociedade brasileira da época, uma constatação de que o homem é produto do meio em que vive. Uma crítica social mordaz.
Gostei muito da escrita minuciosa com descrições detalhadas das personagens e dos ambientes, dos assuntos abordados como o racismo, o conservadorismo, a homossexualidade ou mesmo as relações entre os ricos e os pobres.
Um classicão!