Translate

Pesquisar neste blogue

[Opinião] A Peste - Albert Camus

 


Título: A Peste

Série: -

Autor: Albert Camus

Data de Leitura: 11/01/2024 ⮞ 27/01/2024

Classificação: 


Sinopse

Na manhã de um dia 16 de abril dos anos de 1940, o doutor Bernard Rieux sai do seu consultório e tropeça num rato morto. Este é o primeiro sinal de uma epidemia de peste que em breve toma conta de toda a cidade de Orão, na Argélia. Sujeita a quarentena, esta torna-se um território irrespirável e os seus habitantes são conduzidos até estados de sofrimento, de loucura, mas também de compaixão de proporções desmedidas.

Uma história arrebatadora sobre o horror, a sobrevivência e a resiliência do ser humano, A Peste é uma parábola de ressonância intemporal, um romance magistralmente construído, que, publicado originalmente em 1947, consagrou em definitivo Albert Camus como um dos autores fundamentais da literatura moderna.


Minha review no GoodReads


Albert Camus – Prémio Nobel da Literatura, 1957

"pela sua importante produção literária, que com seriedade lúcida ilumina os problemas da consciência humana nos nossos tempos"



Albert Camus nasceu em Mondovi, na Argélia, a 7 de novembro de 1913. Licenciado em Filosofia, participou na Resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial e foi então um dos fundadores do jornal de esquerda Combat. Em 1957 foi consagrado com o Prémio Nobel da Literatura pelo conjunto de uma obra que o afirmou como um dos grandes pensadores do século XX. Albert Camus morreu a 4 de janeiro de 1960, aos 46 anos, quando o seu editor, Michel Gallimard, perdeu o controlo do carro e embateu numa árvore.

A Peste estava na lista de leituras de 2020, mas com a chegada da pandemia, ao contrário de uma percentagem de pessoas, retirei-o imediatamente e coloquei-o de lado. Agora, já depois de termos voltado à normalidade, decidi iniciar a leitura.

Ao longo do livro, Camus explora temas como o absurdo da existência, a solidariedade humana perante a adversidade e a luta contra o inevitável. As personagens, cada uma representando diferentes perspectivas e reações à peste, refletem as complexidades da natureza humana perante eventos extraordinários.

Embora Albert Camus nunca tenha afirmado explicitamente que sua obra era uma representação directa da ocupação nazi, várias características e elementos da narrativa podem ser interpretados dessa maneira.


*****


Mas o que quer isso dizer, a peste? É a vida, nada mais.


Houve no mundo tantas pestes como guerras. E, contudo, as pestes, como as guerras, encontram sempre as pessoas igualmente desprevenidas.


No dia seguinte ao da conferência, a febre deu mais um pequeno salto. Passou até para os jornais, se bem que de uma forma benigna, pois contentaram-se com fazer-lhe algumas alusões. No outro dia, em todo o caso, Rieux podia ler pequenos editais brancos que a Prefeitura mandara rapidamente colar nos sítios mais discretos da cidade. Era difícil tirar desses editais a prova de que as autoridades encaravam a situação de frente. As medidas não eram draconianas e parecia ter-se sacrificado muito ao desejo de não inquietar a opinião pública.


Porém, uma vez fechadas as portas, aperceberam-se de que estavam todos, até o próprio narrador, metidos no mesmo saco e que era necessário arranjarem-se. Foi assim, por exemplo, que, a partir das primeiras semanas, um sentimento tão individual como o da separação de um ente querido se tornou de súbito o de todo um povo e, juntamente com o medo, o principal sofrimento deste longo tempo de exílio.


Em todo o caso, é verdade que o descontentamento não cessava de aumentar, que as nossas autoridades tinham receado o pior e encarado muito a sério as medidas a tomar no caso de esta população, mantida sob o flagelo, ser levada à revolta. Os jornais publicaram decretos que renovavam a interdição de sair e ameaçavam com penas de prisão os infratores.


Já não havia então destinos individuais, mas uma história coletiva, que era a peste, e sentimentos compartilhados por todos.


Os nossos concidadãos haviam-se posto a par, tinham-se adaptado, como costuma dizer-se, porque não havia maneira de proceder de outro modo. Eles tinham ainda, naturalmente, a atitude da desgraça e do sofrimento, mas já não os sentiam.


Toda a gente estava de acordo em pensar que as comodidades da vida passada não voltariam de repente e que era mais fácil destruir do que reconstruir.


Era-se apenas obrigado a verificar que a doença partia como tinha vindo. A estratégia que se lhe opunha não havia mudado, ineficaz ontem, hoje aparentemente feliz. Tinha-se apenas a impressão de que a doença se esgotara por si ou talvez de que se retirava depois de ter alcançado os seus objetivos. De qualquer maneira, o seu papel terminara.


Não há paz sem esperança e Tarrou, que recusava aos homens o direito de condenar fosse quem fosse, que sabia, contudo, que ninguém pode impedir-se de condenar e que até as vítimas se encontravam, por vezes, no papel de carrascos, Tarrou tinha vivido no sofrimento e na contradição, nunca conhecera a esperança.


Com efeito, ao ouvir os gritos de alegria que subiam da cidade, Rieux lembrava-se de que esta alegria estava sempre ameaçada. Porque ele sabia o que esta multidão eufórica ignorava e se pode ler nos livros: o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nas caves, nas malas, nos lenços e na papelada. E sabia também que viria talvez o dia em que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.