Título: O Fulgor Instável das Magnólias
Série: -
Autor: Ivone Mendes da Silva
Data de Leitura: 22/08/2023 ⮞ 10/09/2023
Classificação: ⭐⭐⭐⭐
Sinopse
Minha review no GoodReads
São fragmentos de um diário pessoal que registam experiências e pensamentos do quotidiano, oferecendo um vislumbre íntimo e genuíno da vida de alguém.
É notável como, no meio das nossas vidas agitadas e repletas de compromissos, é fácil negligenciar a beleza e o significado que podem ser encontrados na simplicidade do dia-a-dia.
Esses fragmentos diarísticos convidam-nos a parar e a reflectir sobre momentos que, à primeira vista, podem parecer comuns, mas que, quando observados com atenção, revelam uma riqueza de detalhes e emoções.
A banalidade dos dias muitas vezes é composta por actividades comuns, como preparar o pequeno-almoço, enfrentar o trânsito ou realizar tarefas domésticas. No entanto, é importante reconhecer que é nestes momentos que a maioria da nossa vida acontece.
A escrita é maravilhosa, envolve-nos numa teia de palavras que nos cativa desde a primeira página.
(...) estive a conversar com uma daquelas criaturas maçadoras que nada dizem e tudo repetem. (...)Só eu sei as violências que me passam pela cabeça em instantes que tais. Há dias quando fui caminhar dei com uma oliveira podada em redondo como se fosse uma obra de topiaria. Era dar com o podão na cabeça de quem fez aquilo. Lembrei-me da pobre oliveira enquanto ouvia a criatura poética. O mundo está cheio de gente parva. Vêm das quatro fases da lua vêm dos quatro cantos da Rosa. enxameiam tudo. Estou cansada desalmadamente cansada e pensava eu que a semana seria leve.
Como o livro veio da Biblioteca anotei muitas citações
[39]
Hoje de manhã muito cedo vi o dia começar com cores fortes sobre o céu. De tarde a luz atravessava a minha sala e vinha morrer no corredor. Agora a noite é escura e funda. É disto que gosto mesmo: que a passagem do tempo me seja visível.
[60]
O frio pousa sobre todos os objectos da minha casa. Eu entro e passo os dedos sobre a lisura da mesa da entrada sobre o rebordo do relógio de pedra. Vejo o casaco esquecido sobre a cadeira o sapato junto ao sofá. Habito devagar os meus lugares. Como quem nunca se cansasse de os reconhecer.
[70]
Se eu um dia voltar hei-de morar onde ninguém saiba hei-de ter um limoeiro carregado hei-de sair ao lusco-fusco rente aos muros só para sondar os mistérios que há no fulgor instável das magnólias.
[135]
Não desdenharia viver num farol a milhas de distância de qualquer terra habitada. Passearia às vezes pela falésia enrolada num xaile e havia de me esquecer de como soam as vozes humanas. A minha misantropia acentua-se e a sexta-feira deixa-me propensa a delírios.
[137]
Não vivo num farol ao longe como gostaria mas as noites de nortada dão-me uma semelhança que me consola.
Fiz um chá e estive à janela a ver como se dobravam às rajadas as árvores da praceta. Sou dos ventos das noites dos mares imaginados e das ruas vazias como se é de uma cidade perdida esquecida dos mapas e das rotas.
[209]
Durante o dia o calor ainda tem garras mas lá ao longe ao entardecer já é Setembro pleno com a neblina ao de leve sobre os campos. Da terra sobem cheiros diferentes e há ruídos novos no restolhar das ervas secas.
[284]
Sem som as pessoas resultam muito melhores.
[314]
Da rua continuavam a chegar os risos e os canto das conversas. Pensei então que é assim é que gosto do mundo: a uma distância segura de modo a que dele pressinta o pulsar mas sem que o seu movimento me estorve ou impeça.
[363]
É sábado o olho para o calendário. A vida nunca foi outra coisa senão incerteza e talvez essa seja afinal a medida de todas as coisas e não haja mesmo nada de novo sob a rosa do Sol. Volto a olhar para o calendário e faço alguns planos.
[423]
Há sempre uma manhã de Junho em que me lembro de Clarice Lispector num dos meus incipit preferidos: "Era uma daquelas manhãs que parecem suspensas no ar. É que mais se assemelhavam à ideia que fazemos do tempo." Cito de cor mas creio estar certo.
[461]
A mulher atravessou a sala a fazer chap chap com os pés. Detesto pessoas que chinelam. É uma aversão quase tão grande quanto a que tenho pelas que arrastam os pés. (...) Um dia disseram-me que eu sou muito melhor a não gostar do que sou a gostar. É um facto: gosto com muita serenidade e não gosto com muita veemência.